Revista Sobrado
Feito Muhammad Ali | Foto: João Regis

Fotógrafos criam álbum visual de clássico disco de Moraes Moreira

O trabalho da coletividade não é nenhuma novidade para o ser humano. O conceito da seleção natural do biólogo Charles Darwin que valida a competição como forma de crescimento e desenvolvimento para indivíduos da mesma espécie e/ou de espécies diferentes foi útil para a pesquisa dele. Não sei se isso foi realmente o que Darwin afirmou, ou se foi uma interpretação equivocada que foi mudando o sentido com as traduções do biólogo.

Mas o que vem ao caso aqui nesse texto é que um exemplo vivo da coletividade já existia a Darwin, até mesmo, pasmem, a Cristo. O que digo é sobre o Corpo Humano, essa matéria que, fisicamente, dá muito certo. Não à toa, as primeiras evidências ​​de ser humano na Terra são de aproximadamente 2,4 milhões de anos atrás. Garanto que se as células do corpo humano vivessem em competitividade até hoje, os humanos não se sustentariam por tanto tempo.

No atual momento, muitas pessoas estão despertando (ainda bem) para a coletividade dentro de um sistema produtivo. As células do nosso corpo são um grande exemplo de que o trabalho coletivo dá certo. Veja, depois de nos alimentarmos as células unidas recebem energia e vão trabalhar a digestão, quando estamos em atividade física, a energia é enviada para as células dos músculos em exercício. É uma organização de trilhões de células em nosso corpo fazendo um trabalho de cooperação para uma evolução.

Levei esses três parágrafos tentando explicar a coletividade como força de desenvolvimento e levar você, caro leitor, a comparação de uma máquina natural que fisicamente dá certo, o corpo e os atuais sistemas produtivos de nossa sociedade. Tudo isso para falar de um grupo nascido no começo do conturbado ano de 2020, em São Paulo, e faz um trabalho seguindo esse caminhar do coletivo, a BOTO.

Olhos do Brasil
Três jovens, Ignácio Salvati, Luna Pellicciari e Mariana Sanchez, que têm a paixão pela música em comum, se juntaram e decidiram criar a BOTO, que é um projeto cultural que procura exaltar e celebrar a música brasileira sempre de forma multimídia. Esses três se uniram com os fotógrafos Dan Pellicciari e João Régis e desenvolveram o projeto Olhos do Brasil.

Esse projeto é o primeiro independente da BOTO e já nasceu coletivo, tal qual a própria BOTO. O interesse em trabalhar com as qualidades de cada envolvido em equidade é a grande essência de um trabalho coletivo; os olhares estão no resultado final do conjunto.

Olhos do Brasil é um Álbum Visual, na melhor definição da junção dessas palavras, do disco Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira, do cantor e compositor do interior da Bahia Moraes Moreira. O disco, lançado em 1979, é um dos mais famosos da discografia solo do cantor e compositor. Apesar de muitas interpretações desse verso de Moraes, no ano de 1995, no disco Acústico MTV, o compositor contou que estava no Rio de Janeiro com João Gilberto e viu uma moça bonita descendo a ladeira e esse foi o ponto de partida para a composição principal que o disco leva o mesmo nome.

Pode parecer uma expressão negativa, principalmente no cenário nacional que estamos vivendo, com tanta intolerância legitimada pelos governantes. O Brasil está descendo a ladeira, mas não a partir do ponto de vista da canção de Moraes Moreira, que evidencia as belezas e diversidades de um país livre para descer e subir ladeiras, expressando o que há de melhor.

Para uma das sócias da BOTO, Luna Pellicciari, arquiteta e apaixonada por música, a escolha por esse álbum de Moraes “é por parecer ser uma expressão negativa, mas quando você se inteira mais do conteúdo, você vê que tem algo afirmativo ali. É um Brasil feliz e a gente buscou criar um projeto que levante a beleza do nosso país”.

O disco
A escolha de Moraes Moreira para ser o artista homenageado na primeira edição não foi por menos. Ignácio Salvati, um dos sócios da BOTO, músico e também apaixonado por música, nos conta que “Moraes é uma grande expressão de brasilidade e é exatamente isso que a BOTO quer. O artista começou a carreira tocando sanfona no interior da Bahia, dialoga com vários gêneros musicais. O álbum ‘Lá vem o Brasil descendo a ladeira’ traz uma diversidade nas faixas com chorinho, frevo e isso é o Brasil”.

Quando citamos a coletividade na entrevista, Ignácio prontamente respondeu: “esse é um projeto totalmente independente, quanto mais você se unir com pessoas talentosas para um resultado de qualidade, melhor. Ainda mais quando é um trabalho em diálogo com a arte, somos a favor! A BOTO acredita que podemos ir mais longe com o trabalho coletivo”.

Luna Pellicciari conta que “estávamos conversando com João Régis e ele falou do fotoálbum dele, o Contenções, então decidimos criar um álbum visual com textos e fotos. Convidamos 11 fotógrafos do Brasil, de cinco regiões do país, porque queríamos pelo menos um olhar de cada região”.

“Não foi fácil a escolha, fizemos um processo bem demorado e democrático, foi uma curadoria coletiva. Optamos em escolher estéticas diferentes para que o resultado fosse plural. Depois de escolhidos, passamos o álbum completo e pedimos para que escolhessem três opções que mais se identificaram na ordem e assim encontramos a faixa de cada fotógrafo”, completa.

O álbum visual não será composto somente com as fotos e os textos dos fotógrafos dialogando com a música. Durante a entrevista, Ignácio revelou que haverá também “dois textos de abertura de parceiros de vida do Moraes”. Não citou nomes – infelizmente -, mas cabe o suspense.

O legal é que o projeto é também colaborativo, então, você pode fazer parte através da campanha de financiamento coletivo doando quanto você puder. Tem também algumas recompensas para doações a partir de R$ 30,00 como camisas, ecobags, o próprio álbum, fotos desse trabalho impressas no tamanho A3, pôster da BOTO, enfim… Só acessar a campanha e colaborar.

Quem falou com a Sobrado foi o fotógrafo e também curador desse projeto nacional, o baiano João Regis. Para ele, ter sido convidado para a curadoria desse projeto foi um grande presente. “Sempre tive uma relação forte com a música e minha relação com Moraes era com os Novos Baianos. Estar em contato com a carreira solo dele foi surpreendente”, conta.

O fotógrafo escolheu a música Feito Muhammad Ali e disse como foi a produção. “Primeiro, eu pesquisei para entender que era o meu personagem, depois fiz um ensaio prévio e só depois convidei o modelo e fiz o ensaio que está no álbum. Ouvi a música várias vezes até criar intimidade com aquela faixa, procurei mostrar a rigidez do personagem, lutador de boxe e também a leveza com a dança”, explica. “Na hora de fazer a foto da dança, eu pedi ao modelo: dança aí! E ele fez um arrocha, ficou tão natural e tão baiano que eu disse ‘É isso que eu quero. Esse é o Mohammad Ali’”, lembra.

“A BOTO me deixou bem livre na escolha estética, eu saí um pouco do que estou fazendo e apresentando ultimamente, que é uma fotografia mais de relato, mas não digo que saí do meu estilo. Não sei se posso dizer: tenho um único estilo! Cada fotógrafo pôde entregar até 12 peças para compor o álbum visual”, pontua.

Sobre o trabalho coletivo, João conta: “Eu não vejo forma de crescimento fora da coletividade, todos os projetos que são referência pra mim são projetos que pensam em conjunto. Além de tudo, por ser um trabalho artístico e colaborativo, é importante trabalhar com arte nesses tempos. A nacionalidade está deturpada hoje em dia. ‘Olhos do Brasil’ apresenta uma pluralidade ímpar e que bom que a gente conseguiu isso. São todos os olhares do país. Se você quiser saber o que é brasilidade precisa conhecer esse fotoálbum”, encerra.

A campanha de financiamento coletivo acontece até o mês de outubro, mas uma loja virtual com entrega para todo o Brasil será lançada em novembro. Na pré-venda, pelo site da Catarse, o público tem acesso ao álbum com um valor mais acessível.

Confira fotos do projeto:


Para esse texto, me inspirei no episódio ‘Darwin, Sistema Capitalista, Educação – Estão Todos Errados?’ do podcast baiano ‘Rádio Terra’, episódio em que o apresentador questiona a competitividade dentro do sistema econômico brasileiro e satiriza esse formato de pensamento da humanidade.