Revista Sobrado
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Relato: ‘Profana’ era um dos discos favoritos de meu pai

| Wellingta Macêdo, jornalista, atriz e educadora social de Belém (PA)

1984 é o ano que descobri que eu existia. Tinha 4 anos e descobri isso por causa da música. Seu Wigan, meu pai, gostava de discos. Comprava vários, de todos os estilos. Conheci vários artistas com ele. Papai, que agora dia 16, faria 68 anos se estivesse vivo, botava um banquinho para filha dele mais velha sentar e mostrava para mim, capa por capa, escutava o disco todo e ficava lá, se emocionando, cantando, dançando, me colocava no colo. Assim eu vivia o melhor momento da minha vida com meu Pai. Assim eu descobria a vida, a música.

Papai comprou esse disco da Gal Costa. “Profana”, álbum de 1984 e era um dos discos favoritos dele. Tocava sempre em casa. É desse disco canções que me marcaram como a versão de “Lately”, gravada originalmente por Stevie Wonder (outro que Papai me apresentou) numa interpretação que rasga meu coração, quando escuto: “Vão dizer que são tolices / Que podemos ser felizes / Mas tudo que eu sei / Não dá pra disfarçar / Dessa vez doeu demais / Amanhã será jamais”.

Gal tinha uma maneira toda particular de cantar sobre o amor e as decepções. É desse disco também o sucesso popular “Chuva de prata” com a jovem banda Roupa Nova que no ano seguinte, estouraria na abertura da novela das sete “Um sonho a mais”, com a icônica “Whisky à go-go”.

Mamãe, que no último dia 7 de novembro me lembrou que fez 10 anos que partiu, também amava esse disco, em particular a música bem-humorada, mas política, “Onde está o dinheiro”. Ela cantava essa música e ria. Anos 1980, fim da ditadura militar, Tancredo morre no ano posterior, Sarney (esse parece que vai virar múmia, né?) assume. Nós erámos uma família pobre, nos anos 1980, mas nunca faltou cultura dentro de casa.

Sei Gal que tu tens discos mais icônicos do que esse, mas esse disco é para mim especial. E traz a canção que mais amo: “Vaca Profana”. Por essas coincidências da vida, minha última foto de perfil, veio com alguns versos dessa música que é icônica para mim e traz uma simbologia forte, atual e que tem tudo a ver com a conjuntura política. Num país de gados, a Vaca Profana põe seus cornos para fora e acima da manada. Toda Mulher é uma Vaca Profana, chovendo leite bom na cara dos caretas. Amo isso!

Meu amigo Ney Ferraz Paiva me disse, me consolando, que esse país deveria se chamar Gal Costa. Tenho acordo. Você, Gal, que me ensinou a respeitar minhas lágrimas, mas muito mais minha risada, você que amava seu nome e gritava para o mundo, você que foi revolucionária na vida, na música, na sexualidade. Você que sabia ser careta porque sabia que de perto, ninguém é “normal”. Você, atriz e intérprete da vida.

Obrigada por tudo, Gal! Se existir como, encontre meus pais e dê um abraço neles por mim!