Revista Sobrado
Foto: Teatro VIla Velha / Divulgação

A peleja do Plano Emergencial para as Artes Cênicas da Bahia

Assim que foi decretada a pandemia do novo coronavírus, artistas da cena cultural soteropolitana reuniram e encaminharam um ofício, ainda em março, aos gestores de cultura da Bahia. O documento foi elaborador em base uma ação feita por artistas do Ceará, que se uniram frente à pandemia. Com isso, receberam auxílio governamental por meio de edital. Outros estados brasileiros também forneceram auxílio emergencial aos agentes culturais, como Maranhão, Pernambuco e Amazonas.

Marcelo Praddo, Selma Santos, Frank Menezes, João Guisande, Lelo Filho, Ana Paula Praddo e Marcelo Flores formam o grupo que esteve à frente da elaboração do ofício e pensaram estratégias para os profissionais das artes cênicas na Bahia – artistas, técnicos e produtores. A intenção era buscar uma forma de se manterem nesse período, longe dos palcos.

O ator Frank Menezes, fez uso dos 36 anos de carreira, com um alcance nacional com a experiência em TV aberta e com amigos em outros estados, para ajudar o grupo a entender a realidade e como os agentes estavam se organizando fora da Bahia. Disse ter recebido o convite do ator Marcelo Praddo para fazer parte do grupo, que faz questão de afirmar ser independente dos órgãos públicos municipais e estaduais de cultura. “Depois da ligação dele, entrei em contato com amigos do Ceará que me disseram já estar avançados com o documento e os gestores já estavam organizando o repasse”, afirmou.

O convite para os outros seis agentes das artes cênicas também partiu do ator Marcelo Praddo, que já conta com 35 anos de carreira. Ele criou o grupo em um aplicativo de mensagens no dia 15 de março e começou a mobilização da comunidade artística. Praddo comentou que necessidade da criação de plano emergencial “surgiu da preocupação com o futuro que se desenhava, assim que a OMS decretou que estávamos vivendo uma pandemia. Estávamos em semana de reestreia de espetáculos, logo após o carnaval”.

Outros setores da produção cultural baiana também estão se mobilizando, informou Marcelo Praddo. “Existe um comitê que debate um Plano de Crise, que reúne profissionais de todas as áreas artísticas, onde represento o setor teatral”, explicou.

Plano de crise
São 2.800 agentes culturais das artes cênicas na Bahia que estão envolvidos na discussão do Plano de Crise. Para pressionar os órgãos públicos e ganhar apoio popular, foi criado um abaixo-assinado em uma plataforma na internet com a meta de 5.000 assinaturas.

Todos os artistas ouvidos pela Sobrado disseram não ter obtido resposta das secretarias e órgãos públicos voltados à produção cultural na Bahia. Quando teve, não foi satisfatória para eles. Perguntamos também se entraram em contato com empresas como a Braskem e Petrobrás, que costumam patrocinar muitas produções artísticas em Salvador. Comunicaram que o ofício não foi encaminhado às empresas públicas e privadas.

Arte do Plano de Crise Para as Artes Cênicas da Bahia | Foto: Divulgação

Quanto as respostas dos gestores, Marcelo Praddo disse “que foram evasivas e não trouxeram absolutamente qualquer alento ou plano que permitisse enfrentar o momento, com alguma dignidade”. E, completou, “nem a Prefeitura de Salvador e nem o Governo da Bahia criaram qualquer plano emergencial ou deram destino a várias propostas que enviamos. Ficamos abandonados”, afirmou.

Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), ligada à Prefeitura de Salvador, afirmou que esteve em diversas reuniões com todos os grupos de agentes culturais e encontrou uma grande dificuldade de entrar em um acordo. “Eram umas solicitações possíveis e outras impossíveis. Tivemos um veto na verba municipal e ela foi dedicada para o investimento na saúde, o que impossibilitou de seguirmos com novos editais e passar o dinheiro de imediato”, pontuou.

Ainda de acordo com Guerreiro, a FGM abriu um cadastro, aconselhada pelo Conselho Municipal de Política Cultural de Salvador para, a partir daí, creditar os agentes culturais da cidade. “Fizemos então a entrega de cestas básicas logo após o cadastro. Aos agentes culturais, que já tinham cadastro na Prefeitura, foi oferecido um auxílio de R$ 200,00 independente do auxílio emergencial federal”, explicou o presidente da FGM.

Lei Aldir Blanc
Questionado sobre a Lei de Emergência Cultural (14017/2020), batizada de Lei Aldir Blanc, aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (Sem partido), no último dia 29 de junho, Fernado Guerreiro a classificou como revolucionária. “É uma revolução. É uma saída do Governo Federal da estaca zero. Isso garante a democratização. Esse é um recurso que estava amarrado desde a gestão Temer. Com a aprovação da lei, vamos ter acesso. É um gatilho para os estados e municípios. Eu fiquei mais tranquilo, pois o dinheiro vai ser repassado ao município. Nós já estamos nos organizando para uma devida destinação”, ressaltou.

Sobre a união e a mobilização dos artistas em torno a um Plano de Crise, Fernando Guerreiro, que também é diretor teatral, avaliou como positiva. “Fizeram um trabalho de organização excelente, mas a construção de uma política passa por trabalho constante e intermitente, queria que essa mobilização acontecesse fora de crise. A união e organização são importantes, nós temos um conselho formado por governo municipal e sociedade civil, essa luta tem que acontecer fora de Facebook”, concluiu.

A Sobrado também procurou a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult), que não respondeu aos nossos questionamentos. Caso a Secult queira se posicionar, o espaço segue garantido.

Vozes dos artistas
A Lei Aldir Blanc foi bem recebida no meio artístico. Para Frank Menezes, “não é apenas um paliativo, porque é uma lei que vai ter verbas para o pós-pandemia também. Frente á propaganda negativa que o governo federal fez dos artistas, a lei vem como um ponto positivo. Algo para acalentar a gente”, disse. E, defendeu que os gestores públicos aplicam a lei corretamente. “Espero que seja bem aplicada, de forma justa e abrangente. Esperar de esperança, eu não tenho tanto, mas espero que ela seja justa com os que precisam”.

A produtora cultural Selma Santos, que atua ha mais de 30 anos e faz parte do grupo que está à frente do debate sobre o Plano de Crise, avalia que a aprovação da lei “foi um grande ganho nesse momento, principalmente para os artistas que não têm uma grande mídia por trás”. Em seu ponto vista, “vai atender artistas nos mais longínquos rincões do país. Vai poder atender o artista popular, os Pontos de Cultura, o artesão, o sambista, e muitos outros. Esse é o lado bom”, festejou. Mas, Selma defende que é preciso atenção quanto a aplicação da lei. “Temos que estar atentos e que contar com pessoas de bem que possam gerir esses recursos com transparência e fazer chegar a quem realmente precisa. Ano de eleição a gente já fica com o pé atrás, né?”, assinalou.

O ator Marcelo Praddo também classificou a aprovação da lei como “uma vitória da pressão exercida pela sociedade civil, frente a um governo federal que demoniza as artes e os artistas”. Frisou apoio de alguns parlamentares, que são “sensíveis à causa cultural”. Assim como os demais envolvidos no debate sobre o Plano de Crise, demonstrou preocupação na aplicação prática da lei.

“Por outro lado, nossa preocupação é com a correta execução dos aportes financeiros, que não são poucos. O município de Salvador deve receber quase R$20 milhões para aplicar na cultura. O Estado da Bahia receberá mais de R$100 milhões. É muito dinheiro, com prazo de utilização. Muitos municípios não têm secretarias de cultura, experiência ou material humano capacitado para a execução dessas verbas. Torcemos para que os artistas e técnicos da área cultural consigam, finalmente, ter algum alento. A realidade é que estamos sem trabalhar, desde o carnaval, há exatos cinco meses”, destacou Praddo.

Torcemos para que os artistas e técnicos da área cultural consigam, finalmente, ter algum alento.

Marcelo Praddo, ator

Quando o decreto do isolamento social em Salvador foi publicado pelo poder público municipal, os artistas estavam retornando aos palcos, após o carnaval. Praddo estava se preparando para quatro espetáculos. “Voltaria a cartaz com Simplesmente Elas e estava com temporada agendada para Aos 50 – Quem me Aguenta, ambos dirigidos por mim. Além disso, estaria em cena com Os Pássaros de Copacabana e Um Vânia. Mas foi tudo cancelado e sem previsão de retorno”, lembrou.

Selma Santos estava em pré-produção da 16ª Edição do Festival Internacional de Artistas de Rua, que aconteceria em março. “Fomos os primeiros a adiar. Agora está previsto para 12 a 21 de novembro. É um evento aberto ao público, em praça pública. Se tudo correr bem, esperamos poder realizá-lo ainda em 2020. Eu estava com mais quatro trabalhos engatados, mas infelizmente tive que adiar alguns e cancelar outros”, falou.

O retorno
Questionado sobre o retorno e o cenário pós-pandemia, o ator Frank Menezes avalia “que só será tranquilo com a criação da vacina” e que “o artista terá que se enfrentar e adaptar-se a novos formatos, bem como a população em geral”. Frank informou que estava se preparando para gravar a segunda temporada da série Cine Holliúdy, produzida e exibida pela Rede Globo, no momento em que começou a pandemia do novo coronavírus no Brasil. Revelou que pretende estrear algo em um novo formato. “Quero um personagem com pontos de indignação, mas fofo. Quero pegar muito do comportamento humano, mas não posso falar tanto ainda”, disse cheio de mistérios e segredos.

Para Selma Santos, “vai demorar muito para a gente ver os teatros abertos”. Mas a produtora cultural acredita que, “quando tudo isso passar, o público estará ávido pelos espetáculos”. E, que “teremos uma boa resposta do público. As pessoas já estão saturadas de ficar em casa e com saudades de bons eventos”.

Quando tudo isso passar, o público estará ávido pelos espetáculos

Selma Santos, produtora cultural

Já o ator Marcelo Praddo não vê perspectivas de retorno. Ele acredita que a situação no Brasil ainda está muito complicada. “Em muitos países, que começaram a sair do isolamento social, começam a promover protocolos de retorno à utilização de equipamentos culturais. Mas, sinceramente, não sabemos como a coisa vai funcionar, por aqui. Fala-se em uma ocupação de 40% das salas, por exemplo, mas, tudo ainda é especulação. Vivemos uma situação caótica, difícil e desesperadora, para a maior parte dos profissionais do setor cultural. Como disse, criamos um plano emergencial e enviamos às autoridades da cultura das esferas públicas, mas nada foi feito. Todos esperaram a Lei Aldir Blanc ser sancionada. Enquanto isso, muitos artistas e técnicos vêm sofrendo, sem trabalho e sem condições de sobreviverem dignamente. Estamos completamente abandonados”, conclui.

Com ou sem a perspectiva de retorno a médio ou longo prazo, o certo é que toda essa discussão proporcionou a união dos artistas na luta pela criação do Plano de Crise. A aprovação da Lei Aldir Blanc também mostrou que há uma parte da sociedade civil atenta e que, com mobilização e organização, se tem respostas de poderes públicos. A Sobrado estará atenta aos próximos passos desse debate.