Revista Sobrado

A produção teatral infantojuvenil dentro de casa

Dentre o retorno presencial das produções artísticas aos palcos durante a pandemia do novo coronavírus, a produção infantojuvenil é a mais complicada. Por mais que a administração dos espaços obedeça aos protocolos de saúde e higiene, o público infantil muitas vezes pode não entender o momento em que estamos vivendo, que é de muita cautela.

O lazer e a recreação, de modo geral, não apenas o infantil, são importantes, mas temos um dado mundial que vai mais além: são 1,06 milhões de vidas perdidas pelo novo coronavírus. Esse é um dado real, físico, são histórias que se foram e pessoas enlutadas, não se pode dar bobeira ainda. Há maneiras de lazer e recreação na segurança e até mesmo em casa.

Partindo dessa problemática, a Sobrado decidiu falar com três diretores teatrais que trabalham com a produção infantojuvenil. Um deles foi Gil Santana, ator, diretor e autor. A produção infantojuvenil virou carro chefe do seu trabalho. Ele também é dono do Teatro Gil Santana, localizado no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, e que teve as atividades no espaço pausadas. “Temos um repertório e mantemos esses espetáculos todo sábado e domingo, tínhamos parado para o carnaval e logo depois retornamos com casa cheia, mas aí veio o isolamento social e a princípio achávamos que seria uma coisa momentânea, mas foi durando, foi durando”, conta.

“A princípio eu me recusei participar de live, ou qualquer outro trabalho à distância, até que um ex-aluno, que está morando em São Paulo, Lucival Almeida, me convidou para fazer um ensaio fotográfico remoto. Eu topei, fiquei encantado com o resultado”, conta. Das fotos, Gil foi ficando motivado e criando uma intimidade com o mundo digital.

Nasceu então o espetáculo on-line Capitão Gil dos Mares, com venda de ingressos pela plataforma Sympla e transmissão ao vivo pela plataforma Zoom, com um elenco de quatro artistas em pontos diferentes. Lucival Almeida (São Paulo), Renne Flores (Los Angeles), e Izabela Cortizo e Gil Santana (Salvador).

Cena do espetáculo Capitão Gil dos Mares | Foto: Reprodução

Mais um espetáculo on-line está sendo preparado, mas as agendas dos artistas não coincidiram. O lançamento seria agora no dia 12 de outubro, para comemorar o Dia das Crianças, mas estão se organizando para o dia 17 de outubro. “Não temos como fazer o retorno presencial ainda, os dados de infectados e mortes não estão estáveis e, por mais que tenhamos materiais para o retorno dentro das normas, não vamos expor nossas crianças”, explica o diretor.

Novas histórias
Guilherme Hunder, diretor teatral do espetáculo O Jabuti e A Sabedoria Do Mundo, uma realização do coletivo teatral Coxia, que foi indicado na categoria de Espetáculo Infantojuvenil do Prêmio Braskem de Teatro 2019, conta que estavam com uma nova temporada do espetáculo programada, mas com o decreto de isolamento social os planos foram por água abaixo. “Pensávamos que em agosto voltaríamos. Isso não aconteceu”, conta.

Para Hunder, esse período da pandemia do novo coronavírus “tem sido um momento de reflexão da produção do teatro infantojuvenil”. Ele também conta que pensaram em formatos para atingir o público infantil. “Lançamos alguns vídeos no Instagram, dentre eles uma música e um challenge, isso enquanto Coxia Coletivo Teatral. Eu, enquanto encenador, participei de duas lives para debater as produções teatrais”, acrescenta.

Elenco de O Jabuti e A Sabedoria Do Mundo em cena | Foto: Divulgação

O diretor confirmou que está pensando em reverberações de O Jabuti e A Sabedoria Do Mundo para o público. Hunder ainda contou sobre uma série de vídeos que estava prevista para lançamento em novembro, mas que podem ser adiantadas para o dia 12 de outubro.

A mente do artista não para e o diretor não está sem produzir. “Particularmente, estou me debruçando em cima de um trabalho que vai falar um pouco dos heróis. Mas isso para uma realidade distante. Eu acho que é muito complicado falar de retorno pra teatro e ainda mais teatro infantil. Em Salvador temos muitos teatros de pequeno porte e também tendo criança na plateia não temos como controlar para evitar que cheguem perto de alguém, para não aglomerar”, finaliza.

O diretor do grupo Teca Teatro, Marconi Arape, que também é dramaturgo, diretor, iluminador e cenógrafo do espetáculo musical Eu Vou Te Dar Alegria, indicado na categoria de Espetáculo Infantojuvenil do Prêmio Braskem de Teatro 2019, e que integra a mostra on-line do Prêmio até o dia 12 de outubro, conta que a realidade do grupo é  resumida em duas pernas: uma muito boa, que garante a realidade financeira do coletivo, que é a escola de teatro para crianças pequena até adultos; e a outra perna é a mais frágil, mas muito bonita, que é a de montagens de repertórios do grupo. “Trago muito em minhas direções do Teca como a gente se coloca como artistas no mundo, são teses, mas que me baseio nessa crença para fazer a diferença”, explica.

O grupo Teca se mudou no começo de 2020 para o bairro do Garcia e só trabalharam no espaço por dois meses e meio, até que tiveram que interromper as atividades por conta da pandemia. O diretor conta que logo no início do isolamento foi bastante resistente a esse formato digital, tentando não participar do óbvio. “Fizemos uma sequência de lives chamada Escutatorio das Infâncias, baseado nos contos de Rubens Alves. E o interessante é que é um ambiente bem sem fronteiras. Por exemplo, tivemos duas crianças participando na live que não estão nem no Brasil, um no Cilhe e outra nos EUA”, pontua.

O curso de teatro no Teca segue mantido, num novo formato, agora bimestral. “Temos reuniões em diversas plataformas de videoconferências. Fizemos de uma criação de texto e uma leitura dramática do texto Viúva, Porém Honesta, de Nelson Rodrigues, com uma turma de adultos. Dublagem, Vídeo Art, Stand Up, Pílulas de Poesia, Produção e Edição de Vídeo. O que me interessa é poder me comunicar artisticamente. Agora, estamos produzindo uma nova leitura dramática”, conta o dramaturgo, que aproveitou para parafrasear o músico Zeca Pagodinho: “estamos deixando a vida nos levar”, diz sorrindo. “No Teca, a gente estuda para que crianças e adolescentes sejam protagonistas da sua própria vida”, finaliza Arape.