Revista Sobrado
Revista Carioca, 1953 | Reprodução

Aldemar Brandão: o compositor da Bahia

A década de 1950, denominada como os últimos anos da Era de Ouro do rádio, foi palco para um dos maiores astros da música popular brasileira. Dono de uma voz que arrebatava os ouvintes por sua potência e afinação, o músico Aldemar Brandão (1918-1999), hoje desconhecido do grande público, cantava a vida dos pescadores, a tradição e a religiosidade da Bahia.

Suas composições eram uma poesia mista de folclore, protesto e canções praieiras que narravam a alma baiana e o tornaram, nas linhas dos jornais e revistas especializados, a maior revelação musical brasileira dos anos de 1956 e 1957.

Essa denominação torna-se fácil de entender quando escutamos, por exemplo, a música Lavagem do Bonfim. Já nas primeiras notas da canção, parados diante das caixas de som, podemos enxergar, melodiosamente, o cortejo vindo ao longe enquanto “a sinhá, toda enfeitada” se arruma para junto com as baianas mães-de-santo ir lavar as escadarias da igreja numa homenagem sincrética ao Jesus católico e ao Oxalá do candomblé.

O jogo de sentidos entre música e imagens presente na música, também está na contracapa do seu único disco, Nossa Terra, Nosso Mar: Canções Praieiras na Voz de Aldemar Brandão, onde o músico baiano convida os ouvintes a uma viagem à Bahia, às suas praias e às suas tradições. Mas a viagem, como sugerido acima, é feita sem que se saia do lugar, pois basta-nos escutar a voz melodiosa do cancionista para logo sermos transportados à Salvador mística e bela dos anos 1950.

Nossa Terra, Nosso Mar: Canções Praieiras na Voz de Aldemar Brandão, lançado em 1956, foi o único disco do cantor baiano

Nessa viagem, o ouvinte passeia pelas ruas de bairros famosos da cidade da Bahia, indo da Ribeira, ao Bonfim, ao Campo Grande, à Barra, a Itapuã, dançando com o cortejo que enfeita as ruas todas embandeiradas na festa ao Dois de Julho ou na Conceição da Praia. Tudo isso através de ritmos como o jongo, o samba, a toada, que dão às composições uma brasilidade pura e ao mesmo tempo única por causa da singularidade das composições.

Canção praieiras
A forma única de compor, o estilo inconfundível de falar da Bahia, fez escola e deixou admiradores pelas gerações. Fã de Aldemar Brandão após ter descoberto o LP Nossa Terra, Nosso Mar, “quase por acaso”, numa loja de discos antigos em Salvador nos anos 70, o historiador Luiz Américo Lisboa Júnior, acredita que o músico baiano é um dos mais importantes nomes da música popular brasileira.

“Aldemar Brandão é um grande músico baiano, de uma geração de notáveis compositores regionais baianos. Ele é um compositor ímpar, que faz um cartão postal muito significativo da Bahia, e é importante para esta fase do regionalismo brasileiro dos anos 50”. 

O cartão postal de que fala Lisboa Júnior, começou a ser pintado em meados da década de 1940, quando Aldemar Brandão ganhou o concurso da Rádio Excelsior da Bahia e passou a apresentar um programa de rádio ao vivo nessa emissora. Lá, ele foi descoberto pela folclorista e compositora Dilu Melo, com quem compôs o jongo Conceição da Praia, música gravada pela cantora Marlene e que lhe rendeu o título de Rainha do Rádio de 1949.

No entanto, apesar das músicas de cunho folclórico serem as que levaram Aldemar Brandão ao estrelato, é nas canções praieiras, que falam do mar e daqueles que de lá tiram o seu sustento, que o músico mais emociona a quem o ouve.

“Das músicas de meu tio que sempre me vêm à mente, tem o Sacy Pererê, que ele cantava pra nós quando (os sobrinhos) éramos crianças e o Adeus de Jangadeiro. Eu sempre me emociono quando escuto essa canção, pela solidão do pescador que a música deixa aqui dentro”. Diz Jaceli Brandão, sobrinha de Aldemar.

Seja com a solidão das cantigas praieiras, ou nos festejos das tradições baianas, Aldemar Brandão, com seu estilo inconfundível e suas músicas que falam de uma Bahia única, mágica, bonita, merece ser ouvido e resgatado pelas novas gerações. Assim, quiçá, poderemos um dia ouvir pelas playlists atuais a sua voz dizendo “eu voltei para a Bahia meu bem, no beijo da baiana tem doce de coco”, como nas letras de sua canção.

Podcast
Você pode conhecer todas as músicas LP Nossa Terra, Nosso Mar em formato podcasts, produzido por este autor para o canal News Bastidores.


MÁRCIO WALTER MACHADO é jornalista, professor, tradutor trilíngue, blogger e contista. No Jornalismo, tem se dedicado à entrevistas live e pequenos documentários de viagem pelo Instagram. Na Literatura, dedica-se à poesia e ao conto modernos.