Revista Sobrado
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Batalha do FDL e a força cultural da juventude negra de Itinga

Na ausência de uma praça, um final de linha ônibus desativado virou um espaço de batalha de rimas e de apresentação de hip-hop. Era julho de 2019, quando jovens negros e negras de Itinga, bairro da cidade de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, deram início à Batalha do FDL (Final de Linha).

“A Batalha do FDL constituiu-se como um espaço político e cultural protagonizado pela juventude negra e periférica, utilizando a cultura do hip-hop, enquanto uma ferramenta que possibilita a expressão, o entretenimento e a auto-organização da juventude, através da arte, de forma independente e autônoma”, pontua Vander Bispo, um dos idealizadores da batalha e ativista do Movimento Aquilombar.

Itinga é o maior bairro popular de Lauro de Freitas, de uma população majoritariamente negra, que denuncia a falta de infraestrutura e de políticas voltadas à cultura e a juventude. “Era assim nos governos da direita e segue a mesma situação no governo municipal de Moema Gramacho (PT). A presença constante do Estado é através do seu aparato repressor e não através de políticas públicas que visem melhorar a vida da população”, diz o ativista.

“A Batalha do FDL é o que foi negado para nós. É o direito à cultura, à diversão, a se entreter e descansar a carne. É um projeto muito importante para a comunidade. É uma política tirada por nós moradores do bairro para enfrentar os problemas sociais que temos aqui como o exemplo do extermínio da nossa juventude negra”, ressalta Vander.

“Queremos fazer da batalha um espaço seguro para a juventude, apontar novos caminhos, dar coragem e proporcionar a autoestima. A batalha é um espaço de transformação e conscientização para lutar e seguir a vida, enfrentando esse sistema de exploração e opressão que é o capitalismo”, completa.

Uma atividade comunitária
A Batalha do FDL foi abraça pela comunidade, tornou-se uma atividade comunitária. Há o envolvimento desde os vendedores das barracas de lanches que estão localizados no final de linha ao morador que coloca um pula-pula para as crianças. As pessoas que estão indo comprar o pão ou comer o acarajé, para e assiste as batalhas, contribuem com algum dinheiro, compram lances para as crianças.

“É uma atividade comunitária, feita por nós para nós. A batalha demonstra o quanto a comunidade de Itinga é resiliente e consegue através da juventude criar alternativas de segurança para meninos e meninas da comunidade. Criar espaços seguros a partir de arte e cultura é garantir que o acesso a direitos que foram negados sejam garantidos. É mostrar que a comunidade tem jovens negros que são agentes de transformação social e estão dispostos a mudar a sua realidade local, através do hip-hop. A batalha é cuidado, participação, educação. É autonomia.  E é isso que nos motiva está construindo junto com essa galera, por que sonhamos juntos e corremos atrás para realizar”, afirma o jovem Felipe Cigarra.

Este mesmo sentimento é dividido pelo MC Cinalera, um adolescente que viu na rima um incentivo à cultura na favela. “Somos carentes de projetos culturais. A batalha fortalece esse laço cultural, por isso gosto de incentivá-la e busco inserir as crianças no projeto. Incentivo eles a rimarem. Rimar é uma coisa boa, é você se expressar, organizar o pensamento, colocar pra fora o que sentimos. A roda cultural permite isso”, ressalta.

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Juntos e misturados
A Batalha do FDL reúne crianças, adolescentes, jovens, homens e mulheres. Todos tratados com o mesmo respeito, com o mesmo direito a se expressar e a ocupar um espaço coletivo.

“Eu sempre acompanhava as batalhas observando, foi no FDL que participei a primeira vez fazendo rima. A participação das meninas é muito importante. Todas vezes que fui assistir ou participar diretamente sempre aprendi algo novo, pois a batalha vai para além do entretenimento. Ela é vida. É vivência. Esse é o papel da cultura hip-hop”, diz a Mc Kelly Andrade.

O microfone da Batalha do FDL está aberto a todos e todas da comunidade sempre aos domingos, às 16h. Lá as pessoas podem acompanhar as disputas de rimas comendo um lanche, um acarajé ou saboreando um delicioso brigadeiro, que é vendido para ajudar na manutenção do espaço. De forma autônoma e independente, a Batalha do FDL vem se consolidado de mãos dadas com a comunidade, que viu nesse espaço coletivo um lugar seguro às crianças e ao jovens da comunidade de Itinga.