Revista Sobrado
Foto: Divulgação

Casa da Mãe busca apoio para continuar a produzir cultura e arte

Por vários motivos, um dos meses que eu mais gosto no ano é setembro: – a data de meu aniversário é neste mês; – a primavera chega em setembro; e o melhor de todos: – as pessoas que nasceram em setembro foram geradas, talvez, nas festas de fim de ano. Pessoas que são geradas em festas só podem ser legais. Ai, como eu lhe amo setembro!

Por falar em nascimento, o bar Casa da Mãe lançou no primeiro dia de setembro a Vaquinha Virtual da Casa da Mãe. Longe de mim comparar a minha especulação sobre as gestações dos nascidos em setembro, já que essa ação certamente não foi pensada em dezembro, pois não imaginávamos entrar em uma pandemia mundial em virtude de um vírus que foi descoberto do outro lado do mundo.

Notei, a partir da unanimidade nas entrevistas, que a Casa da Mãe é um espaço acolhedor, há uma relação de afeto entre os clientes e o espaço. Em conversa com Flávia Motta, publicitária e produtora cultural, a Casa da Mãe nasceu de uma ONG chamada Roda Baiana. Três amigos do Recôncavo baiano – Flávia, Edu O. e Stella Maris – nascidos em Santo Amaro da Purificação. O trio fomentava a produção artística dos santamarenses e vieram então morar em Salvador.

Chegando na capital baiana, a falta de espaço para divulgação da arte produzida aqui era um incômodo. Stella Maris tinha acabado de lançar o CD Dos Amores, em 2004, quando a inquietude sobre a falta de palco para a arte produzida aqui na Bahia voltou a falar no ouvido dela. Decidiu então criar um palco onde abraçasse as musicas produzidas e trabalhadas em Salvador. “Em Santo Amaro, eu tinha um bar que era um espaço cultural, decidi implantar um aqui. Deu certo. Vi essa casa no Rio Vermelho e já fui pensando desde o início a valorizar mulheres, Instrumental, Samba de Roda tudo sempre voltado pra música que é amplo”, lembra.

Stella Maris | Foto: Acervo pessoal

O CD Dos Amores ganhou o Prêmio Caymmi 2002. Este mês ficará disponível nas plataformas digitais – Spotify, iTunes, Deezer, YouTude e Google Play. é uma boa oportunidade para relembrar músicas que entraram para a carreira de Stella.

O bar Casa da Mãe tem 14 anos e ao longo desse tempo é administrado por Stella Maris, que além de proprietária da casa, é cantora e chefe de cozinha, supervisiona os pratos que são servidos no bar e, durante esse período, voltou a cozinhar também.

Flávia Motta, que esteve na idealização da Casa da Mãe, afirma que o fato de frequentar o bar desde o começo traz uma memória afetiva. “Lembro da época em que debatíamos essa falta de espaço para pra arte, mas também lembro da minha infância, pois a culinária de lá é toda do Recôncavo e os fornecedores, são fornecedores de meus pais até hoje”, conta a publicitária. “A Casa da Mãe é um ponto tão importante para a vida da arte e cultura de Salvador, é tão democrático, todos os artistas que são meus amigos hoje conheci na casa da mãe. A gente não pode deixar esse colo acolhedor parar”, completa.

Plínio Gomes, artista e produtor cultural diz frequentar o espaço cultural desde o início. Mas os laços se estreitaram no ano de 2017, quando lançou o seu primeiro romance Um dia desses… e Zingador – Ondas, fissuras e outras coisas numa tarde descabida, ambos pela Editora Mente Aberta. “Desde então, crieri uma a parceria Stella, criando projetos a Casa da Mãe, mas por conta do isolamento social isso foi interrompido”, conta.

A criação dos projetos foi paralisada devido pandemia. Mas novos projetos surgiram, o foco mudou e os trabalhos estão acontecendo. Para o artista, “a Casa da Mãe sempre foi um espaço acolhedor, é abrigo de todas as expressões artísticas. O atendimento de lá é um dos grandes diferenciais, são mais do que garçons, do que músicos, do que clientes, todos se conhecem, Stella Maris está no balcão atendendo a gente. É um sistema de parceria, de troca de energia. O verdadeiro colo de mãe e o público respeita isso”, pontua.

Público
O público do bar é bem diverso e Stella conta que isso vem aos 14 anos, como uma proposta do bar. “Logo nos primeiros anos aqui tinha um evento Quinta Delas. Era só com mulheres cantoras e compositoras. Agora, mais recente, na terça-feira temos o Sarau. Uma vez por semana estudantes da Escola de Música da UFBA vinham se apresentar aqui. Isso tudo movimenta o público e tenho clientes bastante leais e assíduos. Isso permitia eu abrir o bar de segunda-feira a sábado, com gente na casa, às vezes aos domingos com público na casa também”, afirma.

A cantora e compositora Sandra Simões, não tem um discurso diferente dos entrevistados. Ela também associa a Casa da Mãe a um espaço acolhedor e participou de projetos desde o início do bar, como o Quinta Delas e o Sarau. “Faço parte da primeira geração Casa da Mãe (risos). Acompanho tudo desde o início e já participei de diversos projetos e momentos desse espaço que considero uma referência da cultura na cidade de Salvador. Fiz vários shows, tanto com meu trabalho solo, como projetos coletivos”, destaca.

“A Casa da Mãe é o espaço de encontro dos artistas que atuam em Salvador. É lá que nos encontramos e dividimos o palco e as ideias. É lá que comemoramos e descansamos também. É o nosso espaço de intercessão. Stella, a nossa maestra, conduz tudo isso com muito carinho e acolhimento”, partilha a cantora. “É como se eu estivesse em casa. Conheço os funcionários, a logística da casa, o cardápio delicioso. O palco sempre aberto e o charme dessa casinha com vista pra o mar e pra Iemanjá são especiais”, afirma Sandrinha.

A relação dos artistas não pode ser diferente. A Casa da Mãe provoca essa identidade. Os artistas se enxergam ali, desde o espaço físico, como a afetividade, o atendimento, que são intangíveis. Pedro de Rosa Morais cantor e jardineiro disse que conhece a Casa da Mãe e Stella Maris pelo fato de serem artistas, mas também por serem amigos. “Sou suspeito pra falar desse bar, frequento desde a inauguração. Lembro que era um beco, o verdadeiro beco da felicidade (risos)”, lembra.

“Salvador é carente de espaços democráticos e acessíveis aos artistas, a Casa da Mãe abraça a arte local, é aconchegante. A música é boa, a comida é boa, atendimento é bom. É uma verdadeira casa de mãe que a gente fica horas conversando e nem sente o tempo passar”, avalia Pedro.

Gil Vicente Tavares, diretor, dramaturgo, compositor e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) conta que foi convidado por Luzia Morais e Jota Velloso a ir ao bar. “Eles tiveram a ideia, junto com Stella Maris, de fazer um sarau com artistas da música baiana. Algo mais autoral, uma troca de criações, inspirações. Com o tempo, Marília Sodré começou a fazer a abertura com Bruno Mocotó, tocando algumas músicas conhecidas. Os cantores e compositores mais famosos começaram a cantar seus sucessos. E eu comecei a arriscar tocar uma canção ou outra. Era péssimo. Eu não sabia cantar, o que eu sabia de violão se dissipava na insegurança de estar num palco, e nada podia ser pior. Mas foi”, partilha.

“Marília um dia não pôde abrir o sarau e ficou comigo a incumbência. Tive que me virar. Em meio a isso tudo, uma viagem de Stella, Marília, Luzia e Jota. Stella vira pra mim e fala que eu iria comandar o sarau nas semanas seguintes. Tive a ideia de fazer saraus temáticos, e assim trouxe protagonistas do rock baiano num dia, no outro o pessoal da música regional nordestina, contei com uma ajuda na divulgação e quando Stella voltou, lembro até hoje, me perguntou o que eu tinha feito com o sarau dela. A casa lotou, gente de diferentes tribos começou a frequentar, querer tocar. Eu comecei a passar menos vergonha no palco, me acostumando a enrolar melhor com meu canto, tendo mais segurança no violão e usando de um trunfo, este, sim, passível de elogios: meu repertório”, relembra Gil.

“Junto a mim, Márcio Dubeó, Felipe Guedes, Josyara, Marília, Armandinho, Gerônimo, Saulo Tupinambá, Diamantino, Morotó Slim, Papito, diversas cantoras, músicos, começou a gente querer abrir o sarau por saber que era um dia lotado na casa, e assim a terça na Casa da Mãe foi virando quase que uma festa de largo. Um amigo meu, certo dia, me mostrou a balaustrada com uns cinco ambulantes e seus isopores e comentou: ‘você sabe que é sucesso quando atrai a galera do isopor. E somente nas terças eles estão por ali, religiosamente’.” e em tom descontraído conclui “costumo dizer que é meu baba. Toda terça estou lá. Só não vou por viagem, doença ou compromisso muito importante. É uma das maiores diversões de minha vida e penso ser já uma marca na noite do Rio Vermelho”, explica.

Vaquinha
Stella conta que o Sarau realmente atraiu um público mais jovem à casa. Foi na primeira edição da versão digital do Sarau que a vaquinha virtual foi lançada para pagar os gastos de aluguel do espaço, água e energia e contas atrasadas. A meta é de 30 mil reais e a arrecadação segue até o dia 10 de setembro.

São cinco valores e contrapartidas, dentre elas, e-mail de agradecimentos, fotos nas redes sociais, descontos e vouchers.

A Casa da Mãe está desde abril atendendo por delivery e esse dinheiro dá conta do pagamento do salário dos funcionários. Mesmo com a flexibilização das medidas de isolamento social, o bar decidiu não reabrir. Sobre isso, Stella disse que “ao mesmo tempo que queremos trabalhar, sabemos o valor da vida. Sou uma empresária, mas cuido da vida acima de tudo. Estamos vivendo tempos horríveis, temos um desgoverno que não pensa em arte, não pensa em ser humano. O Brasil tá órfão. A gente continua lutando, o importante é isso”.