Revista Sobrado

Circuito de Arte LGBTQIA+ surge no virtual para impactar o presencial

Há alguns anos seria impossível, repito, impossível de se ter um evento financiado com dinheiro público para dar visibilidade a uma pauta de minoria representativa. O Circuito de Arte LGBTQIA+ da Bahia vem colaborar com o debate de pautas desse grupo fora do contexto de datas comemorativas. O evento acontece entre os dias 8 e 26 de março, em horários variados, e é transmitido de forma gratuita pelo canal do YouTube do site Dois Terços.

Temas como ‘adoção por casais homoafetivos’, ‘descoberta de uma filha, ou filho LGBTQIA+’, ‘desafios de empreendedores da comunidade’, ‘transfobia’, ‘luta de mulheres lésbicas pela ocupação de espaço’, ‘reflexões sobre direitos e conquistas da comunidade LGBTQIA+’ fazem parte da ampla programação e serão debatidos no evento.

De acordo com Genilson Coutinho, idealizador do evento e editor do site Dois Terços, “o objetivo do Circuito é adotar esses espaços virtuais, já que não temos os físicos”. Genilson acredita que a importância do evento surge devido ao fato de vivermos um momento difícil no mundo. Para ele, discutir a pauta na internet pode ser um espaço maior para atingir não apenas as pessoas LGBTQIA+, mas as que não fazem parte da comunidade e isso ajuda a visibilizar essas pautas.

A ideia da produção do evento já era antiga, mas não foi concretizada por falta de apoio. “Já tínhamos a ideia, mas não tínhamos patrocinadores e nem apoiadores, o site é independente, precisa desse apoio para se manter vivo e continuar na luta. São 11 anos de Dois Terços”, desabafa Genilson Coutinho.

“O momento é tenso e cansativo, a gente precisa trazer um debate com leveza. Quem for vai encontrar algo que irá se identificar. O Circuito vai dialogar com as pessoas, o mundo tá carente de diálogos. As pessoas LGBTQIA+ produzem muitas coisas interessantes na cidade. O Circuito vem visibilizar esse movimento, os produtores LGBTQIA+”, pontua Coutinho.

O mês não tem nenhuma data especifica da temática LGBTQIA+, mas o editor do site Dois Terços explica que essas questões precisam ser debatidas sempre. “Somos LGBTQIA+ todos os dias e não apenas no 28 de junho. Todos os dias acontece violência e assassinatos. Resistimos todos os dias”, afirma.

Dificuldades e lutas
A curadoria é do Instituto Dois Terços, que mantém atividades atreladas ao fomento e realização de projetos em prol dos LGBTQIA+. O Circuito visa trazer para o eixo das discussões as dificuldades e lutas da comunidade LGBTQIA+, e reflexões acerca de como e quais são os caminhos possíveis para a construção de políticas públicas e redução dos altos índices de LGBTQIA+fobia que, mesmo com as leis para punir os infratores, os números ainda são alarmantes.

Diante desse cenário violento, ativistas, lideranças e movimentos sociais se juntaram para fomentar essas demandas diárias da comunidade. A Relações Públicas e consultora do Instituto, a professora Beth Dantas, que também é cofundadora do grupo Famílias Pela Diversidade e uma das apresentadoras do Circuito, conta que um evento como esse é importante por diversos motivos, um dos, e para ela o essencial, é a alta visibilidade ao tema.

“Para a gente que trabalha muito nas redes sociais, sabemos que se fala das pautas LGBTQIA+ o tempo inteiro, mas ter um espaço para se aprofundar no debate das pautas da comunidade é fundamental. Nós vamos condensar as publicações, provocar a apresentação da produção LGBTQIA+ em várias linguagens. É, literalmente, um atravessamento em diversas linguagens”, comenta a consultora do Instituto.

No início do texto foi citado que o cenário da luta da comunidade LGBTQIA+ mudou bastante, muitos espaços foram conquistados, mas a luta não para, ainda há muito o que ser conquistado. Segundo o último relatório emitido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), que há mais de 40 anos faz o trabalho de escuta e da divulgação de dados da comunidade no estado, a cada 26 horas uma pessoa LGBTQIA+ é assassinada ou se suicida vítima da LGBTQIA+fobia.

Isso confirma o Brasil como o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. Segundo agências internacionais de direitos humanos, matam-se mais homossexuais e transexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África, onde persiste a pena de morte contra tal seguimento. Mais da metade das pessoas LGBTQIA+ assassinadas no mundo ocorrem no Brasil.

329 LGBTQIA+ foram as vítimas de morte violenta no Brasil no ano de 2019. Foram 297 homicídios (90,3%) e 32 suicídios (9,8%). Como se repete desde 1980, quando o GGB iniciou a pesquisa, predominaram as mortes de 174 Gays (52,8%), seguidos de 118 Travestis e Transexuais (35,8%), 32 Lésbicas (9,7%) e 5 bissexuais (1,5%). Segundo estudos do próprio Ministério dos Direitos Humanos em relatório engavetado pelo atual Governo Federal, estimam-se no Brasil uma morte de LGBTQIA+ a cada 16 horas entre 1963-2018.

Sobre dados tão assustadores, Beth Dantas conta que “o que queremos é que a pessoa LGBTQIA+ seja vista como uma cidadã. A cultura brasileira é uma cultura pautada no determinismo, é heteronormativa, é patriarcal. Uma visão limitada da diversidade cultural que é o Brasil”.

Como cofundadora do grupo Famílias Pela Diversidade e consultora do Instituto Dois Terços, Beth Dantas apresentou o primeiro debate do evento, intitulado ‘Como lidar com a descoberta de um ente LGBTQIA+’, no dia 08 de março. Na ocasião, Beth convidou pais e mães de pessoas LGBTQIA+ para mostrar como a família pode buscar o grupo para um apoio e para denúncia. “É importante que a gente visibilize as conquistas e naturalize as pessoas LGBTQIA+. Estamos preparando tudo da melhor maneira para quem vai nos acompanhar”, pontua.

O grupo Famílias Pela Diversidade foi fundado em novembro de 2016 com o propósito de dar visibilidade, voz e um caráter legítimo de representatividade a todas e todos os integrantes. A cofundadora conta que apesar do grupo não ser assistencialista, se encaixando como um trabalho de políticas públicas, eles sempre procuram dar os caminhos das demandas, procurando também minimizar os impactos das relações familiares para com uma pessoa LGBTQIA+. O grupo possui, atualmente, parcerias com a Secretaria de Saúde e com a Defensoria Pública. Hoje, o grupo atende pessoas de todos os estados e todos os municípios da Bahia têm um braço do Famílias Pela Diversidade.