Revista Sobrado
Foto: Divulgação

Documentário ‘Saberes Quilombolas’ mostra riquezas culturais de Santo Amaro

Santo Amaro é a terra de Caetano, Bethânia e Jorge Portugal. Mas é terra também de dendê de pilão, de marisco, peixe, samba de roda e capoeira. É terra de quilombos e resgates culturais, retratados no documentário Saberes Quilombolas, lançado no último dia 14 de maio no canal do YouTube da ONG Roda Baiana.

Os personagens – tão reais quanto suas histórias – contam, quase que detalhadamente, como começaram em seus ofícios e as dificuldades. No Alto do Cruzeiro, em Acupe, Nego Fugido mostra o “Burrinho de Acupe” e Mestre Galo fala da confecção do secador (roda de cipó) e o preparo do dendê de pilão. Já em São Brás, a dança fica por conta do João Saturno com o “Samba Chula”, e do trabalho de defumação dos camarões e das marisqueiras. No Cambuta, um quilombo urbano, moradores falam sobre o processo de reconhecimento do local, a luta da comunidade com a poluição, samba de roda e pertencimento.

O projeto foi chefiado pela cantora, compositora e chef de cozinha Stela Maris, e realizado pela Canta do Galo Filmes, com produção executiva, pesquisa, roteiro e direção de Plínio Gomes ao lado de Bruno Saphira, que também foi cinegrafista. A curadoria ficou com o cantor, compositor e pesquisador Roberto Mendes.

Stela Maris conta que sempre teve o desejo de mostrar a realidade dos quilombos de Santo Amaro desde a infância, quando passava o período de férias na cidade do Recôncavo baiano. “Era um encantamento que eu já tinha, e eu sempre tive vontade de produzir algo que falasse dessa verdade, de uma forma sem filtros. Convivia com marisqueiras, com as mulheres que faziam os pratos e levava nas bacias nas praias, na feitura do dendê de pilão, no camarão defumado”, relembra.

Bastidores da gravação com os integrantes do Samba Chula de São Brás | Foto: Divulgação

Para além do conhecimento geral de Santo Amaro, a produção focou em mostrar os detalhes. “A importância é revelar e mostrar a riqueza cultural. Eu falo tanto da questão das manifestações culturais quanto desses fazeres, dessas ancestralidades, essas sabedorias passadas de pai pra filho, e que a gente consegue, de alguma forma, sem filtro, passar pras pessoas. Além, é claro, das agruras. Porque não é fácil, com todos os problemas sociais que eles enfrentam e a gente quis fazer esse recorte”, afirma a cantora.

O filme foi todo produzido de janeiro a abril, em meio à pandemia da Covid-19, com a equipe fazendo diversos encontros com as pessoas das comunidades, bate-papos e reuniões, além de visitas técnicas e muita pesquisa. “Teve até alguns momentos de lockdown que dificultou e atrasou um pouco o primeiro lançamento”, conta. 

Plínio Gomes, que assinou a fotografia, explica que buscou profissionais que se adequassem na tônica do projeto para obter o sucesso no resultado final. “Gabriel Teixeira, que assina a fotografia, é da área das ciências humanas, além, claro, de ser um excelente cinegrafista. A decisão perpassou pelos diretores do filme, Plínio Gomes e Bruno Saphira, em conjunto com a fotografia, em que pudéssemos construir uma narrativa com a fala das pessoas das comunidades e seus saberes, desta forma, pensar nos enquadramentos e planos era mais que necessário, gerando uma conexão com as personagens e o máximo de sensibilidade no fazer dessas pessoas, base de nosso documentário”, ressalta.

O documentário está disponível ao público desde o 14 de maio, um dia após a data que marca a Abolição da Escravatura no Brasil. Ao ser questionada sobre a relação com o evento, Stela conta: “O dia 14 de maio foi escolhido justamente por ser o dia que nunca acabou. O dia que após a tal liberdade que foi imposta, porque não houve. Houve na verdade, colocaram uma comunidade sem comida, sem casa, emprego, escola, direitos”.

Ademário Correia, produtor de dendê de pilão, mostra como colhe o fruto | Foto: Divulgação

Lei Aldir Blanc
O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e do Centro de Culturas Populares e Identitárias-CCPI (Programa Aldir Blanc Bahia), via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.

Stela Maris confessa que, apesar de enxergar de forma positiva o estímulo governamental, acha o projeto escasso. “A gente está há 15 meses já. Teve atraso, problemas e recursos que ainda tem e o Governo Federal que fica colocando empecilho porque não tem interesse em cultura e arte. Mas aconteceu pelo Governo do Estado e Prefeitura, eu vi bons projetos, mas é muito escasso”, avalia.

A cantora ainda diz que “a cultura do país precisa de mais”, e que produtores culturais continuam lutando. “Se trata cultura e arte como se fosse apenas entretenimento, mas na verdade a cultura é também a mola propulsora do país, ela mostra a verdade, e quando se falta ela, é que se dá esse tipo de coisa que está acontecendo no país”, conclui.

Ficha técnica
“Saberes Quilombolas : vou aprender a ler pra ensinar meus camaradas”
ONG Roda Baiana – Projeto Saberes Quilombolas

Stella Maris – Coordenação Geral do Projeto
Roberto Mendes – Curador do Projeto
Maria Aparecida Souza – Assistente de Coordenação
Ana Cristina Pinto Ribeiro – Apoio local
Priscila Ferreira Gomes – Assistente de Produção
Dóris Pinheiro – Assessoria de Comunicação

Documentário:
Produção Executiva: Plínio Gomes
Realização: Canto do Galo Filmes
Pesquisa, Roteiro e Direção: Plínio Gomes e Bruno Saphira
Direção de Fotografia, Cinegrafista e Drone: Gabriel Teixeira
Cinegrafista: Bruno Saphira
Som Direto: Guto Peixinho
Still: Madson Silva
Montagem, Edição e finalização: Priscila Rodrigues
Mixagem de Som e Imagem: Priscila Rodrigues
Motorista e Apoio Local: Djalma Santana Junior (Junior Bahia)

Comunidade Quilombola de Acupe de Santo Amaro
Nego Fugido: Alexandre Souza, Edilson Santos do Nascimento, Edna Correia Bulcão – Dona Santinha, Evilázio Cruz de Souza, Gilvandro Regis Ribeiro, Luiz Carlos Sobral da Silva e Monilson dos Santos Pinto .

Burrinha de Acupe e Capoeira Mestre Galo: Perivaldo dos Santos Ramos – Mestre Galo, Pedro José Queiroz Lima Ramos, Ícaro Cauan Ramos Dias, Ivo da Conceição Souza Neto, Thiago Vilarinho Ramos, Alexandre Souza, Pepe dos Santos Ramos, Rafael Santana Ramos, Rayane Santana Ramos, Rosa Maria da Cruz Ferreira dos Santos, Tatiana Ferreira dos Santos, Jeanderson Conceição de Almeida e Raiany Lima Ferreira da Conceição.

Dendê de Pilão: Ademário dos Santos Correia e Agostina de Jesus das Neves.

Secador (Roda de Cipó): José dos Santos das Neves

Comunidade Quilombola do Cambuta: Luiza dos Santos Reis, Lourival Ferreira, Luiz Carlos Pereira dos Santos, José Feliciano Ramos dos Santos, Luis Brito, Flávio Brito de Oliveira e Edson Brito Pereira.

Comunidade Quilombola de São Brás
Samba Chula de São Brás: Fernando de Santana, Djalma Santana Junior, Zélia Maria Paiva Souza, Neiveson Pereira de Jesus, Denilson Pereira Santana, Francisco de Assis Barreto da Conceição, Marcos Vinicius Conceição Santos, Agnaldo Antônio de Oliveira Nascimento e Raimunda Nonata de Souza.

Marisqueiras: Flordenice de Oliveira – Muri e Anísia Santana

Mestre de Samba: João Saturno – João do Boi

Camarão Defumado de São Brás: Maria José Gonçalves, Carlos Henrique Ferreira e Dirlene Gonçalves Ferreira dos Santos.