Revista Sobrado
Foto: Hélcio Paraíso/ Flickr Commons / Fotos Públicas

Estrela guia: o legado de Suassuna chega ao ME Ateliê em agosto

No dia 23 de julho deste ano se completam sete anos do falecimento de Ariano Suassuna. Dentre as muitas qualificações adquiridas ao longo de seus 87 anos de vida estão algumas mais expressivas como escritor, dramaturgo, professor, criador do Movimento Armorial – expressão artística que valoriza os elementos da cultura popular nordestina. Também era advogado e atuou na esfera pública como Secretário de Educação e Cultura do Recife, de 1975 a 1978, e Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, de 1994 a 1998.

A vasta produção cultural e multidisciplinar de sua vida teve como base um referencial consolidado pelo contato com a literatura desde muito cedo, vivências da infância, das pessoas que estavam em seu convívio, familiares, professores, com a cidade e principalmente com o sertão. Defensor ávido da valorização e preservação da cultura nordestina, criticava o excesso de impregnação de estrangeirismos, assimilação de valores e costumes que ao seu ver traziam muito mais malefícios do que benefícios. Mesmo assim, reconhecia o valor de produções estrangeiras mas sempre classificando-as como tal, externas àquelas realidades com as quais se convive no entorno.

É com base na vida e obra de Ariano que o fotógrafo e artista plástico Mário Edson batizou a exposição Suassuna –  Uma Estrela no Mundo, que entra em cartaz em agosto no ME Ateliê da Fotografia, localizado no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador. “O objetivo foi o de tecer um raio que abrangesse não só a história dele, mas sim da sua obra, seu universo e o legado que deixou”, conta.

O mestre e a obra
A porta de entrada ao universo de Suassuna foi, segundo Mário Edson, sua literatura. “Foi uma época em que eu estava embebido por uma literatura muito distante da nossa realidade e de repente caiu Ariano Suassuna nas minhas mãos. Percebi que era uma abordagem super regional, batalhadora pelo nosso trabalho, que pregava sempre o regionalismo e aquela coisa da arte popular. Daí decidi que era aquilo que queria ler naquele momento: queria me conhecer, conhecer as minhas raízes, saber de onde vim e para onde estava caminhando”, lembra.

Mal sabia ele que um tempo depois um encontro casual com o autor em um aeroporto viria a se tornar um dos mais memoráveis de sua vida, dando início a outros momentos de interação onde fotografou principalmente as vindas do mestre a Salvador para ministrar suas aclamadas aulas-espetáculo. “A partir destes registros, constatei que precisava fazer alguma coisa sobre o trabalho dele”, afirma.

Para a reabertura do Ateliê, a ideia foi escolher uma figura proeminente ou que tivesse uma simbologia literária e artística – desta vez, o escolhido foi Ariano Suassuna.

Suassuanarianismos
A obra de Suassuna abarca elementos distintos da cultura popular nordestina, e ao  falar do universo de significados do artista paraibano, Mário Edson observa duas relevantes faces: “Tem a obra dele, que é singular, e tem a questão do Movimento Armorial que ele construiu, isso é algo que chamou muito a minha atenção durante uma viagem que fiz para pesquisar mais a respeito desse assunto.”

Em razão da disputa travada pelos estados de Pernambuco e Paraíba sobre a tutela da origem do autor, o mesmo acabou encontrando um jeito de apaziguar os ânimos e construiu uma espécie de santuário na cidade fronteiriça de São José do Belmonte. Este santuário, que na verdade é um castelo-museu, contém todas as obras máximas do Movimento Armorial por remeterem ao universo nordestino com toda a sua riqueza de elementos e possibilidades. “É um referencial identitário de peso e foi isso que me fez decidir com o que queria trabalhar”, observa Mário.

Contragosto?
Ariano era um defensor ferrenho da valorização cultural local e mesmo reconhecendo a importância de produções artísticas estrangeiras que integraram sua formação literária, tecia críticas assíduas que explicitam o incômodo com questões culturais advindas principalmente de elementos estadunidenses. Ao seu ver, os estrangeirismos em excesso poderiam gerar nos indivíduos a vontade de pertencer ou propagar valores que nada teriam a ver com a realidade em que estavam inseridos.

Mário Edson acredita na máxima de que para algo ser universal, primeiro tem que ser regional e sobretudo local. Assim, abranger olhares de artistas diversos foi significativo para a exposão. “O meu desejo é construir um leque de possibilidades abrangentes enquanto olhares diversos e artes distintas, então quanto maior fosse esse raio de abrangências, maior seria o legado que eu deixaria dessa abordagem”, defende.

“Não vou afirmar que seja uma prioridade por que não é, mas é algo que precisamos valorizar não num sentido bairrista, mas sim de pensar primeiro no nosso entorno, sabe? Os nossos artistas. Como desde a primeira exposição eu tive propostas de alguns artistas de fora de quem conhecia algumas obras, vi que me interessaria trazê-los para cá por se tratar de trabalhos bacanas. Fiz os convites e atualmente conto com um número de 15 artistas de outros estados e até de fora do país que mesmo com os desafios impostos por uma logística complicada tem sido um processo importante por que nos move a sair de nossas bolhas”, conta Mário.

Um dos maiores desafios enfrentados foi a logística de transporte de algumas obras pelo fato de a obra de Ariano também evocar o tridimensional – no acervo, há  esculturas e cerâmicas. Neste formato, a demanda de trabalho é maior do que enviar um arquivo digital por exemplo, mas Mário Edson afirma que nem isso está impedindo a condução por existir um grande interesse dos artistas em realizar este projeto. “Vejo que essa é uma oportunidade de divulgar a nossa luz e perpetuar esse trabalho não só aqui mas fora também. É importante falar sobre o legado que ele deixou”, observa.

Grande gosto
A escolha do mês de agosto para o lançamento, segundo o curador, se deu pela possibilidade de fazer uma ligação com o dia do folclore, por ser a data onde se celebra uma das comemorações mais populares de todas e também como oportunidade de celebrar o aniversário do Ateliê. “No caso de Ariano, eu tive cuidado para não lançar os meus projetos junto a outros nos meses esperados [junho ou julho, meses de nascimento e morte do artista] e justamente pelo aniversário do Ateliê em 20 de julho onde proponho projetos que marquem essa data de uma maneira especial. Não foi possível fazer isso porque a exposição Antônios foi lançada em junho e saiu atropelando quase tudo que viria depois pelo alcance que acabou adquirindo, inicialmente era algo previsto para durar a trezena mas acabou durando quase dois meses”, conta.

Com o prolongamento da exposição Antônios,  que tomará conta da casa até o final de julho, o objetivo é lançar Suassuna –  Uma Estrela no Mundo no dia 22 de agosto, dia do Folclore Nacional. “Quero que a minha casa continue como um lugar de acolhimento mas com todos os cuidados necessários, o objetivo é ter uma atividade neste momento que permita às pessoas terem algum espaço para ir e apreciar com segurança”, afirma Mário.

Direções
Dentre as rotas que podem ser traçadas a partir do lugar desta estrela no mundo, Mário Edson concorda que são muitas. Para ele, batizar uma exposição é tão complicado quanto dar nome a um filho pela pesquisa criteriosa que deve ser feita a fim de deixar as possibilidades esgotadas, pela chance de elaborar denominações com mais propriedade. “Eu vou pesquisando, lendo e me inteirando do que preciso e ele [o título] normalmente surge em momentos inesperados”, comenta. 

“A minha proposta era de esclarecer quem foi esse homem para o mundo, para mim, para o meu semelhante, e aí veio a imagem de uma estrela. Como ele falava tanto no regionalismo, na coisa local, nordestina e muito própria acabei pensando que esse era o motivo de ele ser importante para o mundo e para o universo”, completa.

O acervo que tem por base o universo do mestre Suassuna vem num momento em que, mais do que nunca, parece se fazer necessário: “Estamos em um momento em que precisamos de muita luz, essa luz de esclarecimento, conhecimento, da humanidade e empatia. Era tudo isso que eu via nele. Não era alguém que ostentava pela autoridade ou que vivia pregando os títulos que tinha para os outros. Esse tipo de luz é o que a gente precisa. Essa variedade de possibilidades foi justamente o que eu joguei para os artistas para que eles possam explorar e apresentar as suas rotas, respectivamente”.