Revista Sobrado

Godofredo Filho é tema do segundo episódio do podcast especial Modernismo em Salvador; ouça

Considerado por historiadores e estudiosos da arte o pioneiro do modernismo na Bahia, o poeta-escritor Godofredo Filho é o personagem destaque do segundo episódio do nosso podcast especial Modernismo em Salvador – 100 anos da Semana de Arte Moderna.

Mesmo sem ter contato nenhum com os organizadores da Semana de 22 durante sua realização, o poeta estava em total sintonia com o evento aqui na Bahia e isso lhe rendeu os títulos de de “bruxo” e “futurista”. Foi Godofredo o primeiro dos escritores novos da Bahia a dar notícia aos intelectuais do Sul de que aqui já pousara e já contagiara o espírito renovador das letras e das artes.

Saiba mais sobre o amor e sedução que Godofredo Filho dedicava a Bahia em seus poemas, suas pinturas e na luta que ele travou em defesa do patrimônio histórico e cultural no nosso podcast, que já está disponível nas principais plataformas de streaming. Ouça clicando aqui.

Leia a transcrição do primeiro episódio abrindo a caixinha abaixo:

Transcrição do episódio

Leitura de um poema de Godofredo por Cigarra: 

Roberto Aguiar – Esse poema intitulado “Entusiasmo”, que você acabou de ouvir na voz do poeta Cigarra, é de autoria do poeta-escritor Godofredo Filho, considerado o pioneiro do modernismo baiano. Eu sou Roberto Aguiar.

Vinícius Marques – Eu sou Vinícius Marques

Tarsila Carvalho – E eu sou Tarsila Carvalho, e você está no segundo episódio do podcast especial da Revista Sobrado – “Modernismo em Salvador – 100 anos da Semana de Arte Moderna”

Roberto Aguiar – Hoje  vamos falar sobre o papel de Godofredo Filho na quebra do velho modelo de fazer arte que era tido como norma na Bahia e em nosso país. Destacaremos sua contribuição ao modernismo baiano.

(Vinheta) 

Godofredo Rebello de Figueredo Filho nasceu no dia 26 de abril de 1904, na cidade de Feira de Santana. Ele é filho de Esther Magalhães Carneiro de Figueredo e Godofredo Rebello de Figueredo. É, também, o primeiro filho de uma família de três irmãos: Homero, Clarice e Milton.

Vinícius Marques – Em 1916, com apenas 12 anos de idade, teve seu primeiro texto publicado em um jornal. ‘Festa das Árvores’ saiu em uma edição do jornal Folha do Norte, de Feira de Santana. Em 1922, quando a Semana de Arte Moderna foi realizada, Godofredo tinha apenas 18 anos de idade e não possuía conexão alguma com os artistas que realizaram o evento na capital paulista, porém os poemas de Godofredo já não se enquadravam no modelo vigente à época. Eram textos preocupados com uma representação da realidade ou para a representação de cenas de romances literários. 

Tarsila Carvalho – Em 1925, três anos após a Semana de 22, por intermédio do crítico Carlos Chiacchio, organizador do grupo “Arco & Flexa”, pela primeira vez em Salvador a imprensa estampa em quase uma página do vespertino A Tarde uma colaboração de Godofredo Filho. Seus poemas Ironia – Melancolia do Arrabalde; Onde o Silêncio dorme; Esta Saudade do adolescente-lírico e Poço d’água – nitidamente modernistas, em sintonia com o movimento de 22, chocaram a todos. Revistas e jornais baianos passaram a classificar sua arte como “futurista”.

Roberto Aguiar – Por tal proeza, Godofredo Filho é considerado, pelos historiadores e estudiosos da arte, o pioneiro do modernismo na Bahia, como pontua Edilene Matos, escritora e vice-presidente da Academia de Letras da Bahia.

[Edilene Matos]

Vinícius Marques – Pela sintonia com as marés da Semana de 22, mesmo sem ter contato nenhum com seus organizadores, Godofredo Filho passa a ser chamado de “bruxo” e futurista. Ele foi o primeiro dos escritores novos da Bahia a dar notícia aos intelectuais do Sul, de que aqui já pousara e já contagiara o espírito renovador das letras e das artes, como nos diz Zeny Duarte de Miranda, professora da Universidade Federal da Bahia, pesquisadora do acervo manuscrito de Godofredo Filho.

[Zeny – 01] 

Tarsila Carvalho – Em 1927, Godofredo vai ao Rio de Janeiro e é bem acolhido por grandes nomes do Modernismo, como Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Mário de Andrade e, sobretudo Manuel Bandeira, que projetou suas atividades de escritor modernista no sul do país, entrevistando-o para O Jornal, periódico de maior projeção na época.

Roberto Aguiar – Com apenas vinte três anos de idade, Godofredo Filho convive com a pintora Tarsila do Amaral e os poetas Jorge de Lima, Murilo Mendes e outros que já eram notáveis nas letras e nas artes – ou seriam mais tarde gloriosos.

Vinícius Marques – Assim, passou a transitar pelos espaços dos grandes artistas modernistas nacionais. Em 1928, concedeu ao jornal O Globo uma entrevista sobre arte moderna intitulada: “Modernismo Brasileiro – os conceitos de um jovem vanguardista baiano”.

Tarsila Carvalho – Em 10 de novembro de 1959, Godofredo escreveu uma carta ao grande amigo jurista-escritor Aloysio de Carvalho Filho, na qual falou sobre sua relação com o movimento modernista. Em extrato da carta, o artista declarava: “Adesão total ao modernismo, movimento literário e artístico de que participei desde 1923, como dos mais ardorosos e combativos vanguardistas, propagando-o, de primeira mão, na Bahia, ainda cidadela de numerosos gramáticos e retóricos à moda lusitana. Sucessivas viagens ao sul do país. Amizade de Manuel Bandeira (de quem fui hóspede em Santa Teresa, na casa do Curvelo e de Mário de Andrade”.

Roberto Aguiar – Godofredo foi ponto inicial da presença do modernismo na Bahia. Um jovem que aderiu às novas conquistas estéticas, trazendo uma contribuição pioneira, atento aos novos rumos da arte, em torno de um movimento que ainda se processava. Conectando-se com o que ocorria nacionalmente e ajudando a impulsionar este movimento em seu Estado.  

Vinícius Marques – Ele foi colaborador da primeira revista modernista baiana, a Arco & Flecha, em sua edição de nº 4/5, de 1929, último número a circular, onde publicou o poema “Usina”. Como todos os modernistas baianos, Godofredo insere a Bahia, sua gente, seu povo, em suas obras. Uma de suas poesias mais conhecidas é “Ladeira da Misericórdia”, via pública localizada no Centro Histórico de Salvador. Ele também escreveu um poema à sua cidade natal, o “Poema da Feira de Santana”. Um fato curioso é que este poema era bastante conhecido entre seus amigos mais íntimos, desde 1926, mas só foi publicado em livro 51 anos depois, em 1977. 

Tarsila Carvalho – Muitas são as curiosidades sobre Godofredo, um homem que olhava além do seu tempo. Muitas dessas curiosidades, informações mais íntimas desse nosso importante escritor, foram repassadas pela professora Zeny Duarte de Miranda. Ela foi parte da equipe da UFBA que criou o projeto Acervo de Manuscritos Baianos, que fica na Biblioteca Central da universidade e é ligado ao Instituto de Letras. 

Roberto Aguiar – Esse projeto levou a que a professora Zeny tomasse o acervo de Godofredo Filho como objeto de pesquisa do seu doutorado, que deu origem à tese “Arranjo e descrição do espólio de Godofredo Filho: estudo arquivístico e catálogo informatizado”, defendida em 2000. Zeny teve acesso a todo o acervo e história de vida de Godofredo. 

[Zeny – 02] 

Vinícius Marques – A pesquisadora também nos contou um pouco sobre a relação de Godofredo com esse acervo e como foi ter contato com esse patrimônio histórico-cultural.

[Zeny – 03]

Tarsila Carvalho – Para a professora Zeny, o arquivo pessoal de Godofredo Filho é uma grande universidade, onde é possível entender os meandros godofredianos e sua preocupação com o tempo. Ele registrava momentos, lembranças e afetos. Ele guardou 657 diários, escritos no período de 1932 a 1987, o que demonstra uma vertente de sua identidade pessoal, a de escritor-arquivista. 

[Zeny – 04]

Roberto Aguiar – Todo esse cuidado ele tinha também na produção de sua obra, com o que escrevia e com a impressão dos textos. Ele poderia ter sido o primeiro modernista baiano a publicar um livro, mas a preocupação com o conteúdo ficou em primeiro lugar. Em 1928, depois de ter visto as primeiras provas do livro “Samba Verde”, uma coletânea de 13 poemas escritos em 1925, ele não permitiu a publicação. Recolheu os exemplares antes do lançamento, sob o argumento de que as poesias ali escritas não mais representavam a estética moderna, mesmo tendo Manuel Bandeira e Ronald de Carvalho enviados documentos escritos louvando as poesias contidas no livro. 

Vinícius Marques – Os primeiros livros modernistas publicados na Bahia foram “Moema”, de Eugênio Gomes, e “Rondas”, de Carvalho Filho, ambos em 1928. Só em 1932, Godofredo Filho publica “Poema de Ouro Preto”, no Rio de Janeiro, pela Editora Schmidt. A professora Zeny pontua que nesse período os poetas preocupavam-se mais com a escrita do que com a divulgação dos poemas. 

[Zeny – 05]

Tarsila Carvalho – Um elemento que chama atenção na produção textual de Godofredo Filho é a forte presença da figura feminina. Ela agiganta-se em seus poemas, contemplada e mostrada tanto pelo prisma da carnalidade, quanto envolta na transcendência e misticismo, conforme ressalta a professora Zeny. Nomes, peculiaridades e condicionamentos do sexo amável sobressaem em grandes poemas.

[Zeny – 06]

Roberto Aguiar – Além da produção textual, Godofredo Filho pintava e dedicava grande parte de seu tempo à defesa do patrimônio cultural. Fez parte do processo de fundação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, em 1934, ao lado do seu amigo Roberto Melo Franco de Andrade, idealizador de tal projeto. Godofredo ficou na coordenação do Iphan Bahia/Sergipe por 38 anos. Entre suas batalhas travadas destaca-se a defesa da Igreja da Sé, lembra Zeny Duarte. 

[Zeny – 07] 

Vinícius Marques – Godofredo Filho também integrou a Academia de Letras da Bahia e foi membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Além de poemas, publicou estudos de história da arquitetura tradicional brasileira, de crítica de artes plásticas e literatura. Infelizmente, esse grandioso Godofredo Filho – poeta, pintor, crítico de arte e defensor do patrimônio cultural – é pouco conhecido pelo povo da Bahia. A professora Zeny Duarte e o projeto a qual está ligada na UFBA tem essa missão de resgatar escritores baianos de grande importância, mas que não tem o devido destaque merecido. 

[Zeny – 08]

Tarsila Carvalho – Em 22 de setembro de 1955, na Rádio Sociedade da Bahia, ao agradecer a homenagem recebida no programa “A Bahia te agradece”, Godofredo Filho disse: “Quando vim do interior para o internato claustral, antes de 1920, sofri o impacto da primeira e mais terrível sedução de minha vida, a que indelevelmente me marcou e persiste, condicionando-me as aspirações e o próprio destino a esse imperativo que é meu orgulho e tantas vezes tem sido meu tormento: a sedução da Bahia, de seus tesouros de arte, de suas ruas, de suas comidas, de suas rezas, de sua música noturna, de seu povo, enfim de sua ardente e sempre misteriosa beleza, só plenamente revelada aos iniciados em sua ternura. Foi essa extraordinária sedução que me prendeu em suas malhas, fazendo-me preferir a todas as aventuras do espírito e do coração, o humilde dever de me tornar aquilo que ainda hoje sou, sem a outra coisa mais aspirar, isto é, um conservador de museu, mas desse museu numeroso e vivo que é a nossa terra.”

Roberto Aguiar – Esse seu amor e sedução pela Bahia encontra-se em seus poemas, em suas pinturas e na luta que travou em defesa do patrimônio histórico e cultural. A Sobrado fica feliz em registrar em seu projeto especial, em formato podcast, a história de Godofredo Filho e sua contribuição pioneira ao modernismo baiano. Esperamos cooperar para o resgate de um poeta que merece o seu devido lugar de destaque na história cultural da Bahia. 

(Vinheta final)

Roberto Aguiar – A Revista Sobrado é um veículo independente da cidade de Salvador, que surge com o objetivo de construir um jornalismo cultural de qualidade, vivo e crítico. Acesse nosso site: www.revistasobrado.com.br e visite nossos perfis nas redes sociais pelo @revistasobrado. O Podcast Modernismo em Salvador tem pesquisa, redação e narração dos jornalistas Vinícius Marques, Roberto Aguiar e Tarsila Carvalho. Esse projeto foi contemplado pelo Prêmio Riachão – Projetos de Pequeno Porte, da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura Municipal de Salvador, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, destinado pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.


O podcast Modernismo em Salvador tem pesquisa, redação e narração dos jornalistas Vinícius Marques, Roberto Aguiar e Tarsila Carvalho. Esse projeto foi contemplado pelo Prêmio Riachão – Projetos de Pequeno Porte, da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura Municipal de Salvador, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, destinado pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.