Revista Sobrado
Arte: Yago Vieira / @yagoquefez

Manual para se tornar um(a) escritor(a)

Spoiler: não tem a ver com alcance no instagram.

Spoiler II: na verdade, o manual não existe.

Eu tinha que virar escritora porque eu não aguentava mais ser estudante de psicologia.

E há alguns poucos anos, ainda acreditava que o título de escritora só viria se eu publicasse um livro – grandíssimo engano. Se é nisto que você também acredita, sinto muito: não é bem assim que ele vem.

Eu não me tornei escritora nem depois de segurar a caixa com os cem primeiros exemplares, exemplares do livro que eu escrevi, que tinha meu nome na capa junto com o ISBN e código de barras que eu paguei para ter. Nem depois do lançamento. Nem depois de mudar meu Instagram para conta profissional que dizia “escritora” embaixo do meu nome. Nem depois de uma tiragem esgotada, até.

Em um evento da faculdade, conversando com uma colega sobre eu ter escrito um livro, ouço um entusiasmado “você escreve que nem fulano e cicrano? Você tem perfil no Instagram tipo o deles?”

Na época, os escritores que eram reconhecidos como tal, que ganhavam dinheiro escrevendo e assinavam contratos com as grandes editoras, eram o quase o completo oposto do que o que cresci acreditando que é ser um escritor – sem ofensas.

Mas entendi o ponto da colega, e da lista de best-sellers de poesia nacional. Só que, se isto era ser escritora, além de estudante de psicologia, eu provavelmente não queria mais ser escritora, também.

Me encontrei com alguns assessores no início, pouco depois lançamento do primeiro livro. Chegava a ser grosseira com alguns deles, de tão grande que era minha revolta de jovem e iniciante. A proposta era sempre a mesma: vamos impulsionar seu Instagram! Você vai fazer vídeos! Vamos postar seus poemas! Vamos fazer parcerias! Vamos interagir com seu público diariamente!

Mas eu ainda nem tinha um público formado. Quem começa a escrever e publicar não tem um público formado de cara, obviamente. Não tem nem um jeito próprio de escrever formado, imagine. Mas desde o começo a persona do Instagram tem que surgir, né? De onde quer que seja.

Não adiantava dizer que para mim não fazia nenhum sentido fazer nada do que colocavam, até porque nenhuma das minhas referências literárias nunca o fez. Eu tinha preguiça de ouvi-los e o ranço, palavra mais utilizada da língua portuguesa há três anos, só crescia.

Nos eventos, a sempre presente pergunta “como se tornar um escritor?” era respondida pelos colegas de mesa da mesma forma que os assessores me atendiam. Todos que nos assistiam ouviam as dicas de sucesso e crescimento na internet com tanta empolgação que felizmente meu semblante enquanto as ouvia passava despercebido, eu espero.

Sempre me causou curiosidade o motivo pelo qual as pessoas começam a escrever. E mais curioso ainda é ver que cada vez menos pessoas da minha idade respondem à pergunta do jeito mais simples possível: porque gosto de ler.

“É porque eu gosto de @fulano, @cicrano”. Justo. Mas agoniante. Sem ofensas, de novo – apesar de achar que eu já tenha ofendido algumas pessoas até aqui. Desculpa.

Minha resposta à pergunta dos eventos sempre foi o que pra mim é a maior das obviedades: eu acho que para ser um bom escritor a gente tem que ler muito, e quando achar que já leu muito, aí a gente lê mais ainda. Ler muito do gênero que a gente quer escrever. E exercitar.

No fim das contas não sei se alguém prestava atenção no que eu falava, as fórmulas de crescimento na internet pareciam ser mais interessantes para os escritores jovens (ainda mais jovens do que eu) do que simplesmente ler – que é exatamente o que queremos que façam com o nosso produto.

Depois desses poucos anos de experiência e estudo no mercado editorial, minha revolta de escritora jovem e iniciante é muito menor. Continuo batendo o pé até furar o chão ao responder o que acho que precisa ser feito pra se tornar um(a) escritor(a) – e repito aqui: LER! TER REFERÊNCIAS! EXERCITAR A ESCRITA! –, mas depois de quase três anos sem receber pelos trabalhos; correndo atrás de publicações em revistas, concursos e qualquer outro tipo de veículo para ganhar mais visibilidade; vender em média um livro a cada 15 dias; lidar com o algoritmo do (tão odiado por mim) Instagram; e, finalmente, tendo que me tornar adulta, eu entendo: o caminho mais fácil e colorido é excitante. As parcerias. Os milhões de likes. Se são sustentáveis a longo prazo, já não sei, mas acho que todos temos suspeita de uma resposta. Agora, dizer que são essas coisinhas excitantes, coloridas e brilhantes os fatores necessários para efetivamente se tornar um(a) escritor(a)? Não, essa é uma colocação que não vejo saindo de mim.

Quando eu consegui me chamar de escritora? Eu não me lembro. Mas mesmo lendo, lendo mais ainda e exercitando, demorou.

Mas pode ter a ver com o fato de ter conseguido alcançar lugares que sempre me imaginei chegando se um dia fosse escritora: uma mesa e uma cadeira pra escrever dedicatórias em lugares aleatórios da cidade; pátio de escolas, junto à professores; perto de escritores que são referência para mim e ocupando espaços em que posso fazer o que eu sempre quis – escrever –, como esse aqui.


MARIA LUIZA MAIA é escritora, poeta e psicóloga. Flerta com a Psicanálise; lê compulsivamente. Tem dois livros publicados: Algumas Histórias sobre a Falta (2018) e Todos os Nós (2019). Organizou a antologia Corpo que Queima de poetas baianas (2019).