Revista Sobrado
Arte: Yago Vieira / @yagoquefez

Elevador Lacerda: breve história de um marco urbano

Em 1873, a velha cidade da Bahia ganhou mais um grande monumento, além de suas belas e ricas igrejas. Foi a obra idealizada pelo engenheiro Antônio de Lacerda (1837-1885), o mesmo criador da Companhia de Transportes Urbanos, a primeira operadora de trens de Salvador.

Elevador Lacerda, 1930.

A cidade, que inicialmente tinha como privilégio o fato de ser uma espécie de “fortaleza”, devido a sua posição elevada em relação ao nível do mar, teve alguns problemas justamente devido ao deslocamento entre as duas cidades (alta e baixa), que só era possível graças as suas ladeiras e alguns guindastes existentes – depois desativados. E na época da chuva essas ladeiras viravam um verdadeiro lamaçal, dificultando e muito a ‘travessia’.

O projeto de um elevador facilitava a locomoção entre a cidade na época, ainda mais interligando o sistema de linhas de bondes: Calçada/Praça Cayru e Graça/Praça Municipal. As obras iniciadas em 1869 foram inauguradas em 8 de dezembro de 1873, mesmo dia da comemoração a Nossa Senhora da Conceição da Praia. O material da sua construção veio da Inglaterra. Surgiu assim aquele que é considerado o primeiro elevador urbano e coletivo do mundo: o Elevador Lacerda.

De hidráulico a elétrico
Inicialmente, o Elevador Lacerda funcionou com um sistema hidráulico, e fora chamado justamente de Elevador Hidráulico da Conceição, depois de Elevador do Parafuso. E, só em 21 de julho de 1896 foi rebatizado com o nome do seu criador, consagrando-se Elevador Antônio de Lacerda, tipicamente simplificado como Elevador Lacerda até hoje.

É importante lembrar que foi por decisão do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) a troca do nome em 1896. Em outro momento destrincharemos a vida da família Lacerda em Salvador.

Elevador Lacerda, década de 1920. Postal Joaquim Ribeiro & Cia

O século XX acarretou uma série de inovações para o conhecido elevador. Em julho de 1906, precisou parar de funcionar, devido às obras de eletrificação. E, já no ano seguinte foi reinaugurado. Mas sua maior “mudança” surgiu em 1930, onde um novo estilo entrou em cena, juntamente com os outros já existentes no Centro Antigo de Salvador, especialmente na Praça Municipal e entorno. O eclético do Palácio do Rio Branco, e da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (ficava onde hoje está o atual prédio da Prefeitura de Salvador), e o prédio da Câmara dos Vereadores (antes da reforma da gestão 1961 -1967 do prefeito ACM, que retomou as antigas características coloniais do prédio), juntamente com os outros casarios em estilo colonial que ladeiam o Elevador, passaram a ter a companhia do estilo Art déco.

O antigo elevador, esse cravado na rocha, que passava por baixo da ladeira da Montanha e subia por dentro da encosta até a Praça Municipal, ganhou uma torre (a que está em frente da antiga estrutura) e foi ligada por uma passarela a outra torre já existente. Assim, de duas cabines de 23 passageiros, quatro novas cabines – com capacidade de 27 pessoas cada uma delas – tornaram-se presentes. A nova obra fora inaugurada em 1º de janeiro de 1930. Nesse período, a propriedade do Elevador Lacerda era da Companhia Linha Circular de Carris da Bahia.

Segundo informações do arquiteto baiano Paulo Ormindo de Azevedo, as reformas da década de 1930 foram realizadas pela empresa dinamarquesa Christian-Nielsen, pioneira no emprego do concreto armado em grandes estruturas. Através da empresa dinamarquesa, surge o convite para o arquiteto da mesma nacionalidade – Fleming Thiesen, que realiza o projeto em concordância da Otis Company norte-americana. No Brasil, o escritório de arquitetura Prentice & Floderer do Rio de Janeiro ‘reajusta’ o projeto.

O novo tratamento em Art déco parece está ligado aos princípios aerodinâmicos dos aviões que expressavam a velocidade do elevador que fazia o percurso de 60 metros em apenas 17 segundos.

Na década de 1950, o Elevador Lacerda passou a fazer parte do patrimônio da Prefeitura Municipal de Salvador. Em 2011, foi cogitada sua privatização pela gestão do Prefeito João Henrique. 

Décadas passaram até a revisão de toda a estrutura arquitetônica do Elevador. Isso só ocorreu no começo dos anos 1980. Em 7 de dezembro de 1996, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e em 1997 recebeu uma nova revisão nos equipamentos elétricos e eletrônicos, ganhando em setembro do mesmo ano iluminação cênica na gestão do prefeito Antônio Imbassahy.

Curiosidades
Os passageiros que utilizavam a estrutura do século XIX tinham que ser pesados antes de entrar nas cabines, devido ao limite máximo de segurança. Esse fato é relatado pelo Barão de Jeremoabo (Cícero Dantas):

“Em 16 de março de 1889 pesamo-nos no elevador, dando o seguinte resultado: Pinho – 54 quilos ou 3 arrobas e 98 libras; Cícero  – 61 quilos, ou 4 arrobas e 2 libras; Guimarães – 65 quilos ou 4 arrobas e 10 libras; Artur Rios – 73 quilos ou 4 arrobas e 26 libras; e Vaz Ferreira – 115 quilos, ou 7 arrobas e 20 libras.”


RAFAEL DANTAS é historiador, professor e artista plástico. Pesquisador na área da cultura material e iconografia. É um apaixonado pelos encantos de Salvador, do Egito e da Bahia. Também dedica seu tempo em registar e contar nossa história em desenhos.