Revista Sobrado
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Afeto do início ao fim marca o novo EP de Roberto Mendes

Afeto: substantivo masculino; sentimento terno de afeição por pessoa ou animal; amizade. [Dicionário Aurélio]

Afeto: para a psicanálise, expressão qualitativa da quantidade de energia das pulsões e das suas variações. Segundo Freud, seriam reproduções de antigos acontecimentos de importância vital.

A afetividade é a energia que move as relações humanas, pois, sem ela, não há interesse, nem motivação. Em tempos de pandemia, o afeto se tornou um bem precioso. Em meio ao caos que atravessamos, fomos presenteados com uma superdose de afetividade musical. Em seu novo EP Catetê, o santo-amarense Roberto Mendes junta os dois conceitos da palavra afeto – acima descritos – e produz um trabalho lindo, de primeira grandeza. 

Para começar, a obra evoca um dos afetos mais deliciosos: a comida! Catetê, título do EP, é uma farofa feita à base de dendê, servida com peixe frito aqui na Bahia. Em minha cidade, Ourém (PA), temos uma farofa que chama-se saia velha: a carne desfiada, bem temperada, frita com ovos, que minha Mãe prepara maravilhosamente bem. Quando preparo o prato aqui em Salvador, minha saudade se ameniza – creio que seja o efeito da constatação do pai da psicanálise – a “reprodução de antigos acontecimentos de importância vital”. Há afeto mais vital que comida de Mãe? Desconheço.

Catetê é a faixa número um do EP e foi composta por Roberto Mendes em parceria com seu filho João Mendes. Seu outro filho, Leonardo Mendes, participou na percussão, fazendo do corpo do violão um tambor. Este método, chamado de percussão ferida, Roberto aprendeu com Seu Tuni, violeiro de Acupe, um dos principais distritos de Santo Amaro, que descende de uma área de engenho do período colonial.

Ao frequentar a casa de Tuni, quando ainda era professor de Matemática, Roberto Mendes aprendeu a tocar o violão como percussão ferida e saboreou catetê pela primeira vez. Tuni o laçou pela arte e pela comida. Laço certeiro.

Ainda na faixa título, Roberto Mendes fala do seu afeto por Santo Amaro, onde nasceu e construiu seus 40 anos de produções artísticas: E sigo sonhando / Soando o que ouvi / No canto do mundo / Que nunca saí / … Nem vou / .

O artista nunca deixou Santo Amaro para morar em outro lugar, mas suas canções romperam fronteiras e ganharam o mundo. É um compositor presente na discografia de Maria Bethânia desde 1983, quando a conterrânea gravou Filosofia Pura (de autoria dele e de Jorge Portugal) no famoso álbum Ciclo.

O afeto familiar ganha o ápice na faixa três, Querer Bem, composta pelo filho João, dedicada a Lina, neta de Roberto Mendes. Um samba, típico do Recôncavo, carregado de emoção e poderosa magia. “Sinto uma energia paterna potente nessa canção, o cuidado com o outro, a presença incondicional, me emociona muito sobretudo porque meu filho também é pai e sabe o que é esse amor. É de pai para pai e de pai para filho”, comentou Roberto Mendes em vídeo postado em suas redes sociais.

O afeto da amizade vem na forma de parcerias nas composições. Na faixa dois, Marujo, Roberto Mendes une-se a Nizaldo Costa. Juntos, através de uma chula praieira, unem o Rio Subaé ao Rio São Francisco. Todo o aprendizado que Roberto Mendes obteve com os violeiros do Recôncavo ganha força na canção, que foi gravada apenas com voz e violão.

Por sua vez, a afetividade do samba de roda ganha espaço na canção Levanta Mulher, Corre a Roda (faixa 5), escrita em parceria com J.Velloso. A música louva o poder feminino e a importância dele para a necessária transformação da nossa sociedade.

A superdose de afeto do EP Catetê não poderia ficar alheia à situação política que vivemos no Brasil. Para questionar os arroubos autoritários do presidente genocida que governa nosso país, Roberto Mendes foi buscar seu velho parceiro e amigo Capinam. Juntos, compuseram Nunca Mais, Nunca Mais, que deixa o seguinte recado: Dia 31 nunca mais, nunca mais / O tempo não volta atrás / Ditadura nunca mais / Cante a nossa história / Memória do nosso amor / Viva a paz, abaixo a dor / Ser livre pra sempre / Nada que lembre o horror /.

Esse rico trabalho foi construído coletivamente, por várias mentes e mãos. Afinal, afeto também é coletividade. Por conta do contexto da pandemia, a parceria para as composições se deu de forma virtual e as faixas foram gravadas nos home studios dos músicos, garantindo a segurança dos profissionais envolvidos.

O filho João Mendes assina a produção musical do EP. Nos instrumentos, Roberto Mendes contou com os músicos João Mendes (violão aço), Leonardo Mendes (violão 7 cordas), Tedy Santana (Bateria), Ana Florencia (viola), Daniel Neto (sanfona), Gustavo Caribé (baixo) e Tiago Nunes (percussão). A mixagem ficou por conta de Tadeu Mascarenhas. A identidade visual é assinada pelo artista Felipe Caires em colaboração com o designer Fernando Lopes.

Pegue visão, vacine-se com essa superdose de afeto. O EP Catetê, está disponível, gratuitamente, em todas as plataformas digitais.