Revista Sobrado
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Àkàrà e suas brasas ainda acesas

21 de Janeiro é o dia Nacional do Combate a Intolerância Religiosa. A data tem o objetivo de promover respeito, diálogo, conscientização e o livre exercício de práticas religiosas aliadas à proteção aos locais de cultos e de suas respectivas liturgias. A escolha por este dia deriva do acontecimento que ocasionou o falecimento da Ialorixá Mãe Gilda de Ogum, no começo anos 2000. Ela foi vítima de agressões físicas e verbais praticadas por integrantes da Assembleia de Deus dentro de seu próprio templo em Itapuã.

Este é um dos fatos abordados no documentário Àkàrà – No Fogo da Intolerância, primeiro longa-metragem da diretora Peruana Cláudia Chávez. Prestes a completar um ano de lançamento, em fevereiro de 2021, o longa ainda mantém a brasa do debate acesa por buscar ilustrar as diferentes perspectivas sobre uma mesma questão: o risco do quitute mais conhecido da Bahia perder o título de Patrimônio Cultural e Imaterial – concedido pela Unesco em 25 de novembro de 2005 – devido a comercialização do mesmo por pessoas de outros credos.

A produção foi realizada pela Obá Cacauê Produções em parceria com a Apu Filmes e teve seu pré-lançamento no dia 21/01/2020, no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, em Salvador. Algo que definitivamente não estava previsto ao longo dos 7 anos desde a ideia do projeto até a sua conclusão foi o fechamento dos espaços de exibição pelas restrições determinadas pelas autoridades, em ocorrência da pandemia do novo coronavírus. Isso demandou uma reorganização logística quanto à distribuição e exibição da obra. Atualmente, ela está disponível no serviço Prime Video da Amazon e na Tamanduá TV, serviço de streaming do Canal Curta!.

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Com depoimentos de quem comercializa o acarajé, de líderes religiosos e especialistas em questões étnico-raciais e jurídicas, o filme possui uma narrativa que ganha ritmo pela forma como o roteiro constrói a ambiência do tema e na montagem, onde as diferentes perspectivas conduzem o entrelaçar de uma trama complexa que abarca desde as origens do quitute no Candomblé até a adesão do nome “Bolinho de Jesus”, feita por pessoas de religião cristã neopentecostal. Tudo isso culminando nos casos de intolerância religiosa em âmbitos distintos da comercialização do acarajé.

O ofício das baianas Cida e Liu e de Dadai é o mesmo, a direção de fotografia assinada por Marcelo Pinheiro serve como mecanismo fundamental para revelar as formas e texturas expostas no processo, já que evidencia as cores vibrantes dos ingredientes durante a preparação dos quitutes. Vemos água jorrar por entre os quiabos e tomates que posteriormente são cortados com destreza, panelas borbulhando e tendo seus conteúdos mexidos até atingir o ponto certo, os trajetos aos pontos de venda e a preparação para atender cada cliente que se aproxime.

A grande distinção entre elas é a fé; enquanto Cida é baiana e filha de santo, Liu e Dadai são evangélicas. A forma como cada uma encara o seu trabalho permite também supor como se configura a condução de suas próprias vidas, das suas respectivas crenças e como interpretam a mitologia que origina a venda do Acarajé, já que no começo de tudo apenas as filhas do Orixá Iansã detinham a permissão para fazê-lo.

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As reflexões induzidas pelos especialistas presentes e referenciados no filme norteiam o espectador a refletir sobre aspectos históricos que permitem compreender questões contemporâneas e como estas reconhecem ou não a validade, relevância e importância para a formação e condução de futuras gerações da sociedade soteropolitana, se estendendo também ao território recôncavo e outras regiões metropolitanas. Tais momentos históricos são atestados principalmente em documentos de arquivo, referenciais bibliográficas e registros oficiais exibidos sempre de forma a complementar o que é dito.

É importante destacar que a trilha sonora assinada pelo maestro Letieres Letieres confere o arremate na conjunção da obra embalada pelas vozes de Lazzo Matumbi e Larissa Luz. Por fim, também é necessário ressaltar que o projeto tem a produção executiva de Fabíola Aquino e foi contemplado pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e Agência Nacional do Cinema (Ancine) para a grade do Canal Curta! e estreou na TV ainda em 2020.