Revista Sobrado
Foto: Rede Bahia / Camila Salles

De pretos para pretos e sobre pretos: protagonistas da nossa história

“Se a coisa tá preta? A coisa tá boa”, ouvi essa frase pela primeira vez em 2016 na voz de Monique Evelle,  mulher, preta, jovem e empreendedora.

Atualmente, cerca de 4 anos após escutar essa frase, vejo a Rede Bahia de Televisão, afiliada à TV Globo na Bahia, lançar o programa especial Conversa Preta, que é protagonizado por homens e mulheres negras desde a direção, apresentação com Aldri Anunciação e jornalistas e repórteres da emissora até os entrevistados profissionais dos mais diversos segmentos. Na primeira edição, a cantora Margareth Menezes, o ator Fabrício Boliveira e a Assistente social, Mestra e Doutoranda em Estudos Feministas pela UFBA, Carla Akotirene, foram também vez e vozes no programa.

Mas, por que somente agora? A televisão é um meio de Comunicação de Massa que está presente em 96,4 % lares do Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios do IBGE (2017-2018).

O programa especial Conversa Preta vai ao ar em 2020, um ano que já foi marcado por diversas tragédias que atingiram e comoveram a sociedade e que feriram e marcaram na pele a população negra: a morte de George Floyd após ser asfixiado por um policial branco nos Estados Unidos, em maio; o óbito de Miguel Ótavio, uma criança preta, após ser deixado em um elevador sozinho e cair de um prédio, no estado de Recife, são alguns dos exemplos das fatalidades que ocorreram diretamente com pessoas pretas.

E como o racismo mata. A pauta do programa neste primeiro contexto foi sobre o racismo e as relações trabalhistas. O Conversa Preta trouxe neste primeiro momento através de depoimentos, dados e humor também a realidade que afeta homens e mulheres retintas, com o intuito de contribuir para desconstrução deste mal que está entranhado na sociedade e que é vivido pelos negros, mas que é necessário ser discutido e agido por toda a sociedade.    

Acredito que o Conversa Preta veio para marcar e abrir os olhos da sociedade por dois motivos bem específicos: não é somente sobre dor, miséria, morte e sofrimento que nós pretos e pretas somos feitos, mas, sobretudo e acima de tudo, de luta, beleza, costumes, ancestralidade que só fortalecem o quanto somos capazes de reportar, atuar, interpretar, ser, agir e coexistir na sociedade.

Quando Camila, Maria, Beatriz, José, Francisco veem Aldri Nascimento, Georgina Maynart, Luana Assis, Vanderson Nascimento e outros na apresentação de um programa como o Conversa Preta, desperta e encoraja a buscar também pelos espaços que são desejados e deveriam ser representados, pois segundo um levantamento feito pela revista Vaidapé entre os anos 2016 e 2017 apenas 3,7 % dos apresentadores na TV são negros, baseado na programação de São Paulo. Porém não indo tão longe tivemos a novela Segundo Sol, também da Rede Globo, que falava sobre a Bahia, mas não mostrava a diversidade de cores presente nesta terra. Eram cerca de cinco atores negros, incluindo o Fabrício Boliveira que esteve na primeira edição do Conversa Preta.

Felizmente, o programa mostrou através de exemplos concretos que somos bons e capazes de ocupar os espaços e transformar o meio nos mais diversos segmentos: medicina, pedagogia, história, administração, jornalismo, teatro, música, e outros por meio de seus entrevistados. Como é o caso da médica e professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Andreia Beatriz que é responsável pelo Reaja, onde ela leva atendimento de saúde para o sistema prisional de Salvador. 

O Conversa Preta irá ao em somente três sábados consecutivos (15, 22 e 29 de agosto). Quem não assistiu o primeiro episódio, está disponível no Gshow. Espero e desejo que os impactos deste sejam além destas edições e serão.

“E apesar de tanto não
Tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade
Apesar de tanto não
Tanta marginalidade, somos nós (a alegria da cidade)”

(Interprete Margareth Menezes, mulher preta e cantora, e compositores Jorge Portugal – em memória – & Lazzo, homens pretos)


CAMILA DE JESUS é jornalista e atualmente repórter do site Fé Católica. Baiana, católica, curiosa e acredita muito que a ‘Fé não costuma falhar’.