Revista Sobrado
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Enola Holmes e o coro das garotas fortes

O gosto pelas histórias de amadurecimento logo fez Enola Holmes me chamar a atenção. O filme dirigido por Harry Bradbeer e baseado na obra de Nancy Springer conta o primeiro caso investigado por Enola, irmã adolescente de Mycroft (Sam Claflin) e Sherlock Holmes (Henry Cavill), e tem tido diversas cenas replicadas nas redes sociais. O motivo: sua delicada forma de falar também sobre política e de sugerir que, as vezes, a história de alguém não é apenas sua, mas de muitas outras pessoas.

Enola é vivida por Millie Bobby Brown (a Eleven de Stranger Things) numa atuação destemida e quase teatral, mas coerente e proveitosa ao gênero. Como muitos protagonistas de histórias infanto-juvenis, a personagem é livre para quebrar a quarta parede e endereçar aos espectadores seus planos, conflitos, pensamentos e explicações sobre os contextos que vivencia. Assim nos é apresentado quase que por completo o primeiro ato do filme e o contexto de sua vida: tudo ia bem na vida que levava com sua mãe, Eudora (Helena Bonham Carter) – as duas moravam isoladas numa grande casa no campo onde a mãe ensinava à filha sobre ciência, literatura, artes e lutas. Até que, sem aviso prévio, resolve desaparecer justo no dia do aniversário de dezesseis anos da garota.

Foto: Robert Viglaski / Legendary / Divulgação

Encontrar sua mãe é, então, o ponto de partida da jornada de Enola Holmes. O lugar-comum da identificação e da conciliação com algum membro da família (geralmente pai ou mãe) também se expressa em sua trama de forma singela. A idealização da mãe é tamanha que quase não conhecemos Eudora para além da imaginação da filha e a admiração pelo irmão Sherlock – compartilhada com inúmeros fãs das histórias do Sir Arthur Conan Doyle espalhados pelo mundo – se contrapõe ao desafeto em relação ao irmão Mycroft, primeiro antagonista de sua jornada por querer mandá-la a uma escola de “educação feminina”.

A mudança na sociedade e a resistência de certos setores são consoantes com a história de Enola. Enquanto ela enfrenta o moralismo do irmão mais velho, mulheres como sua mãe e sua ex-professora de jiu jitsu representam a luta das mulheres pelo voto na sociedade britânica no fim do século XIX. Uma possível reforma política é o pano de fundo de sua trajetória e acaba interceptando a história da protagonista a partir encontro com o Lord Tewkesbury (Louis Partridge), um jovem da nobreza, mas de ideais progressistas, que está sendo perseguido por um assassino.

Observando a questão feminina numa sociedade em que disputam o conservadorismo e a renovação, Enola Holmes, que está disponível no catálogo da Netflix, chega para fazer coro às narrativas de jovens mulheres de uma geração de meninas fortes e livres. Repleto de clichês que deixam nostálgicos os adolescentes dos anos 1990 e 2000, o filme também entoa na mesma frequência das histórias de Merida (Valente, 2012), Moana e Capitã Marvel, por exemplo, enquanto o amadurecimento da protagonista não deixa de ter um pouco do charme e da altivez das irmãs March (Little Women, 2019). Elementar, caro leitor: o século é das mulheres.