Revista Sobrado
Foto: Divulgação

Skin: questão de raça sim, mas também de classe

Em estreia como documentaristas, a atriz Beverly Naya (produtora executiva e principal depoente) e o ator Daniel Effiong (diretor) lançam um olhar sobre a beleza sob o aspecto do colorismo. A proposta de Skin (2019), que está atualmente disponível no catálogo da Netflix, é investigar a prática denominada skin bleaching ou skin whitening, que consiste no uso de cosméticos clareadores para a pele, pelas mulheres nigerianas em Lagos, cidade mais populosa do país.

Como consta no próprio documentário, dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que 77% das mulheres nigerianas utilizam clareadores de pele regularmente. Na primeira parte do filme, Naya entrevista diversas mulheres negras (de diferentes tons de pele) ligadas à indústria do entretenimento (atriz, maquiadora, apresentadora de TV – algumas delas já tinham utilizado clareadores e se arrependem), bem como um médico dermatologista especializado em estética e um fotógrafo e artista visual, Mudi Yahaya, que conta um pouco sobre a história dos retratos de peles negras desde o início da fotografia.

De todas as fontes, Yahaya é quem mais se aprofunda num tópico crucial que parece ter sido pouco percebido pelos realizadores: a beleza, e o racismo que faz com que essas mulheres se submetam ao uso de produtos invasivos – e potencialmente tóxicos – também tem ligação íntima com o capitalismo. Nos primeiros depoimentos, gravados em estúdio, as entrevistadas compartilham traumas relacionados à infância e expõem experiências na indústria à qual fazem parte. Paralelamente, Naya aparece numa sala de aula com crianças e, ao conversar sobre beleza com elas, uma menina lhe diz que desejaria ter a pele mais clara.

Cena do documentário | Foto: Reprodução

O depoimento seguinte (da controversa socialite Bobrisky), demonstra ao espectador uma variedade de símbolos relacionados ao tema principal: para ela, clarear a pele teve uma íntima relação com “sair da pobreza” e se tornar outra pessoa, o dinheiro e uma vida de ostentações são sinônimos de sucesso, a insegurança é fator principal para que uma mulher tome a decisão de clarear a pele, sobretudo pela vontade de atrair o olhar masculino. Quase todas as mulheres entrevistadas consoam com a ideia de Bobrisky – deixar a pele mais clara é uma forma de conseguir um companheiro. É essa premissa que guia a investigação de Skin na segunda parte, quando Beverly vai em busca de mulheres que fabricam os cremes clareadores. Em um certo momento, a aparição do rapper Phyno dá a entender que escutaremos então a versão masculina da história, mas sua fala acaba sendo única, breve, e não muito diferente do que já havia sido dito pelas entrevistadas da primeira parte.

Um outro cenário também aparece nesse momento – a atriz vai a um bordel e conversa com uma mulher que, presumidamente, trabalha no lugar. Presumidamente, pois as fontes entrevistadas nas ruas não têm o nome ou ocupação revelados, diferentemente das depoentes da primeira parte. Esse fato causa estranheza e certa confusão: a escolha de filmar essas mulheres mais pobres em seus locais de trabalho e não revelar seus nomes ou ocupações teria em vista preservar um pouco de suas identidades ou foi um deslize dos realizadores que, ao não se debruçarem sobre a questão de classe que envolve o tema, acabaram reproduzindo (ou revelando) uma discriminação de classe?

Cena do documentário | Foto: Reprodução

Na terceira parte, o documentário se volta para a valorização da ancestralidade como forma de afirmação identitária. Beverly (que é britânica e nigeriana) vai pela primeira vez à casa de sua avó, na comunidade de Igbuzor (Delta State, Nigéria). A mensagem é clara: ser você mesmo é a única fórmula para a felicidade e o afeto, e buscar a história da sua família pode ser um caminho para o autoconhecimento e a autoestima. O meio, nem tanto. Para dizê-lo, são necessárias diversas cenas da atriz folheando repetidos álbuns de família junto à mãe e à avó. Cenas de enquadramento e fotografia muito agradáveis, é verdade, mas com pouco caráter discursivo.

No geral, Skin é um documentário que merece ser assistido. Não é um trabalho brilhante em termos de pesquisa, mas, além de jogar luz sobre a problemática dos clareadores, abre muitas janelas para refletirmos sobre os padrões de beleza, a indústria que se apoia no racismo e a intersecção entre as questões de raça, gênero e classe social.