Revista Sobrado

Roberto Aguiar

Escravidão – Volume 1, de Laurentino Gomes
Lançado ano passado, pela editora Globo Livros, foi uma das minhas leituras de 2020 e que mexeu bastante comigo. O livro abre a nova trilogia do escritor e jornalista Laurentino Gomes. É um livro-reportagem que narra a história da escravidão no Brasil. Neste volume, ele parte desde o primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, que ao lado de Dandara, liderou de 1597 a 1695 a maior resistência negra contra a escravidão, transformando os quilombos em símbolos de luta por uma sociedade igualitária. O livro conta uma história que é cheia de dor e sofrimento, que mostra como a nossa sociedade foi estruturada por meio de um processo de escravidão de um povo, cujo os traços são marcantes ainda hoje. Mas além da dor e do sofrimento, a obra de Laurentino Gomes também mostra a resistência do povo negro contra a escravidão, tendo os quilombos como a expressão maior desse processo.

Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia, de João Reis
Também traz a luta do povo negro contra a escravidão, a superexploração e a humilhação que viviam no sistema escravocrata. O livro de João Reis, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), lançando em 2019 pela editora Companhia das Letras, fez parte das obras que li para saber mais da minha história, do passado do meu povo, para que possa andar firme no presente e atento ao futuro. O livro mostra a rede de relações sociais, econômicas e culturais que formava a sociedade baiana à época, sustentada na escravidão. João Reis mostra a vida dos ganhadores – trabalhadores escravizados, libertos ou livres – todos africanos ou seus descendentes, que percorriam as ruas de Salvador fazendo todo tipo de serviço, sobretudo o carregamento de pessoas e objetos ou a venda de mercadorias. Ele mostra como os ganhadores eram humilhados, perseguidos e severamente controlados e coagidos pelo poder público, através da força policial. Mas em 1857, eles se rebelam contra essa situação e protagonizam uma greve histórica, paralisando um setor importante da economia do período. O livro é uma leitura obrigatória para conhecermos melhor a nossa história e a de nossos antepassados, que sempre resistiram bravamente.

Tarsila Carvalho

Ideias Para Adiar o Fim do Mundo, de Ailton Krenak
As duas leituras que indico não foram lançadas neste ano, mas se encaixaram perfeitamente ao momento. A primeira é Ideias Para Adiar o Fim do Mundo (2019), de Ailton Krenak, composto por dois textos, adaptações de duas palestras dadas pelo líder indígena oriundo da região do vale do Rio Doce. A leitura versa sobre a calamidade da destruição socioambiental, mas expondo a força do pensamento de seu autor contra a premissa de que a natureza serve aos propósitos da espécie humana. Mais do que isso, Krenak põe em xeque a visão antropocêntrica que não reconhece a natureza como parte de sua família e de sua história. Na minha opinião, uma obra a ser lida por todos. Este vídeo do programa Vozes da Floresta da Le Monde Diplomatique demonstra um pouco do que esperar da abordagem do autor.

Uma Noite, Markovitch, de Ayelet Gundar-Goshen
A segunda é o romance Uma Noite, Markovitch (2018), o meu favorito dentre as leituras deste ano. Chegou às minhas mãos de surpresa, presente enviado por minha tia pelo correio, pois nunca tinha ouvido falar na obra ou em sua autora, a israelense Ayelet Gundar-Goshen. A sinopse, a princípio, também não me chamaria a atenção numa estante de livraria: com a chegada da Segunda Guerra, um grupo de homens sai da Palestina rumo à Europa com a missão de resgatar jovens judias do nazismo por meio de casamentos falsos, a serem desatados no retorno. No entanto, um desses homens, Iaakov Markovitch, recusa-se a dar o divórcio à sua esposa Bela, cultivando a esperança de que um dia a aversão que ela sente por ele, por tê-la mantido presa, se transformará em amor. O livro surpreende pela escrita brilhante de sua jovem autora, com características do realismo mágico e pela complexidade conferida a cada um de seus personagens nucleares. Dividido em quatro partes, o livro convida o leitor a observar a vida de pessoas ordinárias da juventude à velhice, por via de uma escrita indescritivelmente poética, provocadora e excitante.

Victória Valentina

Tipo uma história de amor, de Abdi Nazemian
Um livro pra te fazer chorar. Escrito por Abdi Nazemian e traduzido por Vitor Martins, o romance ficcional se passa em 1989 e mostra a história do jovem iraniano Reza, que se muda para Nova York para morar com sua mãe, padrasto e meio-irmão. Gay, o jovem cria barreiras e uma correlação com a própria sexualidade por causa da pandemia de HIV/AIDS que acontecia na época. Encontros na escola fortalecem o entendimento do pertencimento da comunidade LGBTQIA+ em uma época que ser gay gerava mais olhares tortos que atualmente. A relação dos amigos Reza, Art e Judy é sensível e reforça a importância da representatividade.

Um lugar bem longe daqui, de Delia Owens
Também traz um retrato sensível sobre como a solidão afeta a vida de uma pessoa. No livro de Delia Owens a gente conhece a vida de Kya Clark, uma menina que foi abandonada pela sua família aos 6 anos de idade. Crescendo sozinha em um pântano, ela aprende a se virar na natureza. Mas, como se a dificuldade que a garota passa não bastasse, ela é acusada do assassinato de um homem popular da região e, sozinha, precisa provar sua inocência. O best-seller mundial sobre “A Menina do Brejo” vai se tornar filme em breve.

Vinícius Marques

A casa: a história da seita de João de Deus, Chico Felitti
Chico Felitti é um excelente repórter. E digo isso não por conta do seu segundo livro, A casa, mas por todo seu trabalho. É claro, porém, que este novo trabalho é uma grande adição na carreira do jornalista. Depois do ótimo Ricardo e Vânia, foi bom ler um novo material de pesquisa extensa de Felitti, principalmente um que aborda um assunto tão sensível e que chocou o nosso país. Este ano ele ainda lançou um programa de podcast onde vai atrás de personalidades que viraram memes, o Além do Meme. Vale a escuta!

A máquina do ódio: Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital, de Patrícia Campos Mello
Repito os elogios de Felitti para Patrícia Campos Mello. A máquina do ódio é uma produção importante para entender o Brasil de hoje e de ontem. Infelizmente, também é necessário para entender o Brasil de amanhã e além. Tem algo aqui que ativa algumas ideias, e é disso que precisamos para remediar o que está por vir.

Xande Fateicha

Feitos de Sol, de Vinícius Grossos
Esse livro é de 2019, mas eu li em 2020, ganhei de aniversário e amei. O autor é brasileiro, Vinícius Grossos. É um romance homoafetivo, uma obra que me provocou um choro danado. Conta a história de dois jovens durante o ano de 1999 e que acreditavam que o mundo ia acabar na troca do milênio – como muitas pessoas também acreditavam. Eu me envolvi demais com a história e justamente pelo fato de me envolver tanto, li esperando a tragédia e o livro simplesmente me surpreendeu. E, com o ascendente em câncer que eu tenho, alimentou minha esperança no amor verdadeiro.

Olhos do Brasil – Vol 1, de BOTO
Álbum Visual do disco ‘Lá vem o Brasil descendo a ladeira’, lançado em 1979 pelo cantor e compositor baiano Moraes Moreira que morreu no início de 2020. A obra é do projeto BOTO, uma empresa coletiva de São Paulo, administrada por três jovens. Para o primeiro volume do livro, 11 fotógrafos foram convidados para escreverem sobre sua experiência com a canção escolhida e falar sobre o seu trabalho. Além dos textos e fotos de artistas brasileiros, o livro tem texto de abertura de Paulinho Boca de Cantor e Armandinho Macêdo.