Revista Sobrado
Foto: Alexandre Moreira / Divulgação

Angela Ro Ro: “Quero fazer mais lives. Só sei viver com o suor do meu trabalho”

Quando a pandemia do novo coronavírus foi decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março deste ano, a cantora e compositora Angela Ro Ro, 70 anos de idade, estava viajando pelo Brasil com show comemorativo dos seus 40 anos de carreira. Em Salvador, o espetáculo estava marcado para o dia 17 de abril e seria apresentado no palco principal do Teatro Castro Alves (TCA), mas foi cancelado no dia 17 de março, quando o equipamento cultural anunciou a suspensão de toda a sua programação, devido à pandemia.

Angela Ro Ro não sabe quando retorna aos palcos. Por isso, deseja realizar mais lives pelas redes sociais. Até o momento, ela realizou apenas duas, com cachê. “Preciso cantar, é o que eu sei fazer. Quero fazer mais lives. Só sei viver com o suor do meu trabalho”, desabafa.

A cantora – considerada pela revista Rolling Stone a trigésima terceira maior voz da música brasileira – chegou a postar mensagens em redes sociais pedindo contribuição financeira aos fãs. Em entrevista exclusiva concedida à Sobrado, ela comentou sobre este episódio, fez duras críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro e explicou sua polêmica entrevista à revista Veja, envolvendo o nome das cantoras baianas Ivete Sangalo e Daniela Mercury.

Sobrado: Você estava com turnê comemorativa aos 40 anos de carreira quando a pandemia do novo coronavírus foi decretada. Como está sendo esse momento de pandemia para você?
Angela Ro Ro: A turnê foi suspensa, pois as casas de espetáculos tiveram que fechar as portas. O setor cultural foi atingido em cheio, tem sido um momento difícil para todo mundo que vive da sua arte, como eu vivo. Durante esse período da pandemia mudei para um sítio da minha família que fica em Saquarema, na Região dos Lagos, aqui no Rio de Janeiro, de onde converso com você. Meu pai comprou esse terreno quando eu tinha 17 anos, ou seja, há 53 anos. Sou filha única, não tenho pensão, vivo apenas da música e sempre cumpri com todos os meus deveres. O IPTU está em dia. As taxas trabalhistas e previdenciárias das pessoas que trabalham comigo aqui no sitio, que estão nas suas casas neste momento, estão em dias, assim como os salários deles. Isso é muito importante pra mim. Por isso, preciso fazer lives, para ter como manter e arcar com meus compromissos.

S: Você tem usado as redes sociais para pedir que seja contratada para realizar mais lives. No dia 19 de junho, você também usou as redes sociais para pedir ajuda financeira aos fãs. As lives e a ajuda dos fãs vieram?
ARR: Sim, andei pedindo dinheiro aos fãs nas redes sociais, não tenho vergonha disso. Recebi a ajuda, sou grata pela atitude dos meus fãs. Com essa ajuda paguei os salários e os direitos trabalhistas das pessoas que trabalham comigo. Eles ficaram muitos felizes. Eu também fiquei. Essa minha ação teve uma repercussão na mídia, o que contribuiu para que eu realizasse duas lives em parceria com a Secretaria de Cultura de São Paulo e a Associação Paulista dos Amigos da Arte (APAA). Elas foram transmitidas em julho, nos dias 11 e 17 de julho. Teve uma ótima aceitação, foi o show Pilotando Piano, onde me apresento sozinha. Aqui na casa tem um espaço bom na sala, que eu fiz uma arrumação para as transmissões das lives. Deu tudo certo. Mas de lá pra cá não tiveram outras. Preciso cantar, é o que eu sei fazer. Quero fazer mais lives. Só sei viver com o suor do meu trabalho. Não posso ficar dependendo da contribuição dos fãs. O que eles fizeram foi lindo, quebrou muito o meu galho. Mas não posso viver de doações. Não vou me expor em shows presenciais, para depois gastar o dinheiro com o meu funeral (risos).

Sobrado: Ainda sobre esse tema das lives, em uma entrevista você disse que as empresas dão apoio a quem já está bem de saúde e realizam lives bem sucedidas. Aí você citou como exemplo Ivete Sangalo e Daniela Mercury. A reportagem também pontuou que você disse que Daniela Mercury finge ser homossexual. Fale um sobre essa polêmica.
ARR:Que bom está conversando com a Revista Sobrado, que é da Bahia, para esclarecer esse grande mal-entendido. Eu não falei isso à revista Veja. Eu disse que a Daniele Mercury infringe a caretice se assumindo homossexual. Só que saiu na imprensa que eu disse “Daniela Mercury finge ser homossexual”. Quero explicar isso, porque não sou de meias palavras e nem de meias verdade. Eu não deixo o bolinho frio. Jogo na tina e frito logo o acarajé (risos). Essa reportagem acabou me jogando contra duas cantoras que admiro muito. Acho Daniela uma cantora fabulosa, uma dançarina, bailarina, uma artista completa. Assumiu sua homossexualidade, casou, vive muito bem. Eu não teria menor razão de ter alguma coisa contra ela. A Ivete eu amo e admiro muito. Já cantei com ela na Concha Acústica. É uma grande artista. Inclusive, agora na pandemia, comecei a cuidar de alguns gatos que apareceram aqui no sítio. Uma gata teve um filhote, estou cuidando pra doação. Mandei operá-la e a batizei de Veveta. Uma homenagem à Ivete. Pois é uma gata digna de um nome forte. Repito, foi um mal-entendido, que agora fique tudo explicado. Quanto ao patrocínio das lives, não fico na paranoia e na onda de estou sendo perseguida, que não me querem. Ao contrário, estou torcendo para ser chamada a cantar. Porque o que eu sei é que tem muitos artistas e técnicos que precisam sobreviver.

Sobrado: Sobre os seus 40 anos de carreira. Qual o balanço você faz?
ARR: Olha, não sou muito de fazer o balanço da minha carreira ou de especular o futuro. Sei que gosto muito do que faço que é música de qualidade e popular. Sou feliz e grata por ter sucessos gravados em minha voz ou composições minhas gravadas por grandes artistas como Maria Bethânia. Eu adoro ter canções tão populares como Amor, meu grande amor, pois é legal ter um sucesso que ainda é popular. Não sou aquele Roberto Carlos nem a Ivete Sangalo, mas sou reconhecida como uma boa cantora e compositora. Isso me dá alegria.

Sobrado: No último dia 26 de setembro, a gravadora Biscoito Fino disponibilizou no YouTube o DVD Feliz Vida, gravado em 2013, em comemoração aos seus 33 anos de carreira. Fale um pouco pra gente sobre este DVD?
ARR: Gosto muito da ideia da Biscoito Fino em disponibilizar esse DVD na íntegra, gratuitamente ao público no YouTube. É um DVD que, particularmente, gosto muito. Foi um show lindo, que tem participação de gente muito boa. Vale a pena assistir. Tem convidados especialíssimos como Roberto Frejat, Diogo Nogueira, Jorge Vercillo, Sandra de Sá, Maria Bethânia e Moska. O nome do show que deu título ao DVD (Feliz Vida) é uma composição minha com Moska. O show tem esse lado que valoriza a minha veia autoral. Nesse show gravo a primeira vez, ao lado do Frejat, a música Malandragem, composta por ele e por Cazuza para mim. Acabei não gravando. A Cássia Eller gravou e fez todo esse sucesso que conhecemos.  É um DVD muito legal mesmo. Peço que assistam.

Sobrado: Você tem pontuado essa situação da pandemia, os efeitos dela sobre o mundo da música e na vida dos artistas. Como você avalia a atuação do governo brasileiro nesse momento tão trágico?
ARR:  É uma atuação desastrosa. É um governo sem escrúpulo, formado por milicianos. Um bando de gente boçal, que não respeita nada e nem ninguém. Sem contar seus discursos e ações ditatoriais. Pior que esse governo foi eleito, né?! Não podemos nem dizer que foi fruto de um golpe. Recebeu os votos de mais de 50 milhões de brasileiros. A falta de ação do governo fez com o que o impacto da pandemia fosse maior, atingindo os artistas, a reputação do Brasil no exterior e, principalmente, o povo pobre. Teve uma política de descaso total na pandemia. Por isso, somos os campões das desgraças. Não teve sequer um posicionamento sensato, não respeita os cientistas e não investiu o que deveria na saúde. Preferiu investir em armas e em remédios sem efeitos comprovados como a cloroquina. Faz tudo isso com deboche. O país está em uma desordem absoluta, aumentando a fome e a desigualdade social. Tá aí patrocinando as queimadas na Amazônia e o Centro-Oeste para garimpar minérios e fazer pastagem. Depois acusa os indígenas.

Sobrado: Você acredita que isso pode mudar? Enxerga um futuro melhor?
ARR: Acredito que as coisas podem mudar. Espero que a gente volte pelo menos ao patamar anterior, que já não era bom, mas é melhor do que a situação de hoje. Espero que o Brasil volte a ser pelo menos respeitado lá fora, um país amigo. E não esse que foi a última reunião da ONU achincalhar com todo mundo e falar mentiras. 

Sobrado: Quanto à sua carreira pós a pandemia, o que tem pensado?
ARR: Ainda não sabemos quando retornaremos aos palcos. Tivemos que interromper a turnê Angela Ro Ro – 40 anos de Amor à Música. Quando tudo estiver melhor, a gente retoma nosso cronograma de shows. Até lá, vou seguir aqui no sítio, tomando os cuidados necessários. Estou aqui sozinha, não tenho medo da solidão, eu curto a solidão. Vou seguir aqui correndo atrás de lives, pois não fui criada para roubar. Só sei trabalhar. Quero seguir pagando as pessoas que trabalham comigo, cumprindo com minhas obrigações trabalhistas. Só trabalhando consigo honrar tudo isso. Quero mais lives, meu querido.

Sobrado: Qual recado você deixa para os seus fãs da Bahia?
ARR: Eu amo a Bahia. Sou meio baiana, né?! Eu sou uma carioca com um pé na Bahia e um pé em Minas Gerais. A família toda do meu pai é da Bahia. A parte da minha mãe é mineira. A Bahia é uma terra muito amada que me toca profundamente. Frequento aí desde os anos de 1970, quando anda com a turma hippie. Sempre fui muito bem recebida, bem acolhida, bem abraçada. É um berço de grandes artistas. Assim que puder, vou à Bahia. A pandemia não deixou nosso show acontecer no Teatro Castro Alves, que estava marcado para abril. Mas esse encontro vai acontecer. Desejo tudo de bom ao povo baiano. Cuidem-se, esse vírus não é uma gripezinha.