Revista Sobrado
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Bacelar: “A intenção é ampliar os recursos de editais de fomento da cultura e transformar Salvador na Capital Negra das Américas”

João Carlos Bacelar Batista é atualmente Deputado Federal e presidente do partido PODEMOS Bahia, é mestre em Administração Pública, baiano, nasceu em Esplanada e tem 63 anos. Teve quatro mandatos como Vereador de Salvador desde 1993. Como Deputado Estadual teve dois mandatos consecutivos e, atualmente está no segundo mandato de Deputado Federal pelo estado da Bahia.

Em uma entrevista por e-mail para a Sobrado, o candidato Bacelar nos fala sobre como irá gerir, se eleito, a cultura na capital baiana. Bacelar tem um projeto de candidatura voltado ao atendimento das pessoas e à atenção aos bairros.

No plano de governo do candidato, o comprometimento com o fomento de gestão compartilhada durante o ano de 2021 é uma grande promessa, além de defender as avaliações permanentes da população e a integração de cadastros e bancos de dados da área social.

Sobrado: Para o senhor, o que é cultura e como o senhor entende o papel do Estado no fomento à cultura?
Bacelar: A cultura é uma das maiores riquezas da capital baiana e não pode ser compreendida enquanto uma política isolada. Ao contrário, ela é a seiva que deve alimentar e vitalizar todas as políticas públicas de gestão de uma cidade. Tudo é Cultura! Ainda mais em Salvador, a cidade que pulsa história e arte.

O fomento para a articulação dessa rica produção cultural e artística na cidade é dever do Estado. Temos diversos desafios para uma construção coletiva para e proposta apresentada por meio do incentivo municipal. Os desafios são grandes e motivadores e, por mais difíceis que pareçam, serão nossa alavanca.

S: Temos alguns setores já estruturados em Salvador, como o senhor pretende contribuir para dar voz aos artistas e agentes culturais da cidade para além da indústria cultural?
B: Com incentivo e fomento às Artes e à Cultura. O Sistema Municipal de Cultura em Salvador foi instituído em 2014, pela lei 8.551, porém, o principal mecanismo de execução do Sistema, que seria o Fundo Municipal de Cultura, segue sem regulamentação.

Os recursos para o Programa de Incentivo à Cultura – Viva Cultural, são absolutamente insuficientes. O mesmo em relação aos editais da FGM, “Arte em toda parte”, “Arte todo dia”, “Capoeira Viva” e “Selo Literário João Ubaldo Ribeiro”. Nos últimos quatro anos, a média anual de projetos fomentados foi de apenas 45; isso em uma cidade com três milhões de habitantes.

Em 2018 o “Arte todo dia” aplicou um total de R$ 700.000,00 em 30 projetos. Para além de uma política cultural para os moradores da cidade, esse descaso com o fazer cultural cotidiano de nossos criadores afeta, inclusive, a indústria do turismo. Salvador não pode basear seu turismo na sazonalidade do carnaval – por mais estendida que seja a festa ou grandes os eventos – ou às praias. Nossa maior riqueza é nossa cultura. E ela acontece todo dia. É lamentável que o atual governo não perceba isso.

Em agosto apresentei um projeto de lei 4219/20 que determina que a União entregará R$ 3 bilhões aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para serem aplicados em ações emergenciais de apoio ao setor cultural e de serviços ligados diretamente aos festejos de Carnaval, São João e festas populares. O projeto prevê um auxílio emergencial de R$ 600 reais, durante três meses, aos profissionais ligados diretamente aos dois festejos. As mulheres chefes de família terão direito a R$ 1.200, no mesmo período. O texto também permite o uso dos recursos para pagamento subsídios, prêmios, aquisição de produtos.

S: Temos a Fundação Gregório de Mattos (FGM) que é uma Fundação ativa na vida cultural de Salvador. Quais são as propostas para o trabalho com a Fundação?
B: A Fundação Gregório de Mattos conta com estrutura organizacional defasada e, como órgão vinculado à Secretaria de Cultura e Turismo, não tem a exclusividade na gestão de ações públicas de cultura no município, gerando duplicidade e sombreamentos, no que resulta em áreas desassistidas, frágil territorialização, deficiente sistema de financiamento à cultura, ineficiente articulação entre instituições e mobilização de recursos, além da defasagem na realização de processos seletivos para provimento de cargos efetivos e temporários.

Por isso, vamos atuar no fortalecimento da Fundação Gregório de Mattos, com revisão e adequação das áreas e setores existentes, criação de novas áreas, que deem conta da territorialização, financiamento à cultura, pesquisa e sistema de informações, bem como com a realização de concurso público para provimento de cargos.

S: Dentre os projetos da FGM, há o Boca de Brasa – criado na gestão de Mário Kertész em 1986 -, que tem um papel fundamental na descentralização da cultura na capital. Como o senhor avalia esse projeto?
B: Considero um importante equipamento para a nossa cultura, mas entendo que faltam ações articuladas e permanentes com políticas de dinamização artístico-cultural, ampliação da agenda e popularização do acesso, bem como gestão participativa e compartilhada.

Em Salvador, em cada beco, é possível encontrar um projeto cultural e artístico. No entanto, o descaso do poder público fica ainda mais evidente quando analisamos o cenário das culturas negras e identitárias. Só para se ter uma ideia, entre 2013 e 2018, apenas 80 projetos foram contemplados com os editais da FGM.

Também não existem dados quantitativos e sistematizados, dos projetos beneficiados e realizados pelos editais, da  Casa do Benin, Espaço Cultural Barroquinha e projeto Boca de Brasa, conforme prevê o Plano Nacional de Cultura de 2019.

S: Ainda sobre a FGM, que, insisto em dizer, é uma Fundação ativa na cena cultural municipal, muitos equipamentos culturais de Salvador são administrados por ela. Qual os benefícios que o senhor enxerga com essa administração? Pretende seguir nessa linha?
B: Como falei na pergunta anterior precisamos de uma reestruturação na FGM. O processo começa com a consolidação do Sistema municipal de Cultura, atualizando e regulamentando os marcos legais para o pleno funcionamento deste. Para tanto, o Conselho Municipal de Cultura precisa ser fortalecido e, de fato, valorizado pelo poder público como expressão da rica diversidade cultural soteropolitana. A intenção é ir além, incentivando e apoiando a criação de fóruns setoriais e territoriais e criar comitês de gestão compartilhada Estado-Sociedade, em cada equipamento cultural municipal;

Também está previsto em meu plano de governo, a promoção de Conferências de Cultura bienais, para fazer um balanço sobre a execução do Plano Municipal de Cultural e adequações. Além de assegurar recursos para o efetivo funcionamento do Fundo Municipal de Cultura, atualmente sem regulamentação e com recursos muito aquém das necessidades da dinâmica cultural de Salvador (como exemplo de insuficiência, o principal programa de incentivo à cultura, o Viva Cultura, criado por lei em 2016, disponibilizou apenas cinco milhões e setecentos mil reais em 2018);

S: A cena cultural de Salvador vai além da Axé Music e do Turismo (que, também são aspectos importantes para a movimentação econômica da cidade). Como o senhor caracteriza essa Cena Cultural Soteropolitana?
B: Nossa vida cultural é intensa. Nas praças, nas ruas, nos teatros, nas galerias, nos mercados, nos largos, na cena underground, nos blocos e afoxés, nas rodas de capoeira, na culinária, nos tabuleiros das baianas. São múltiplos os equipamentos culturais, oficinas artísticas, bibliotecas e acervos históricos, tangíveis e intangíveis.

É claro que devemos dar o devido valor ao Axé Music, assim como no turismo, mas Salvador é muito mais do que isso. E os outros pontos que citei acima devem ser valorizados e expostos para uma maior apreciação.

S: A cultura negra tem um berço em Salvador – seja pelos negros que vieram do continente africano escravizados, seja pelos negros que aqui criaram a sua forma de expressão cultural -, há, atualmente incentivo em diversas vertentes da produção por parte da Prefeitura, mas ainda há uma insuficiência por um contexto histórico. Como o senhor vê a cultura afro em Salvador e o que pretende fazer para fomentá-la?
B: Salvador é a cidade mais negra fora da África e pulsa a cultura negra. No entanto, a atual gestão não aposta em ações eficazes para valorizar e impulsionar a nossa cultura. Para mudar essa realidade, vamos implantar espaços de memória e de tradição dos povos e comunidades afro-brasileiros em terreiros de religião de matriz africana, com meta, de acordo com o plano municipal de cultura de 2019, de ao menos dez; bem como a recuperação e preservação de fontes sagradas de terreiros de candomblé. Vamos implantar também o Centro de Referência das Culturas Negras, Tradicionais e Identitárias, com realização de Bienal das Culturas Negras e linha de fomento específico. A intenção é ampliar os recursos de editais de fomento da cultura em 100% até 2022 e transformar Salvador na Capital Negra das Américas.

S: O cinema soteropolitano movimenta bastante a cena cultural na/da capital, mas a escassez com a falta de incentivo ainda é evidente. O senhor pretende voltar o olhar para essa expressão artística? Se sim, como?
B: Claro. Por usar a diversidade e pujança cultural, Salvador tem todas as condições para se transformar em uma das principais capitais da cultura e da criatividade no hemisfério Sul. Cidade cosmopolita, Salvador faz a conexão entre mundos, unindo Europa, Américas e África. É esse caldo de cultura que nos referencia e nos projeta. Em 2018 foi realizado o Salvador Creativity and Media Festival (Scream), envolvendo inovação, startups, diversidade, novas mídias e desafios da comunicação. Salvador também é a cidade da moda, gastronomia e cultura alimentar, design, artesanato, novas mídias e audiovisual. São as nossas indústrias criativas. O desafio consiste em consolidá-las como fonte de investimentos, emprego, convivência cidadã e justiça social.

S: A diversidade é presente em Salvador (e no mundo) em múltiplas expressões (artística, social, cultural, econômica), a diversidade de gênero e de orientação sexual é existente. Na sua gestão, haverá políticas públicas que abracem esta diversidade?
B: Com certeza. Transversalizar a perspectiva racial e de gênero nas políticas municipais de segurança e convivência cidadãs, considerando as diferentes dinâmicas e impactos das violências na população negra, das juventudes e das mulheres, população LGBTQIA+ será uma das principais ações do meu governo.

Sabemos que é necessário o desenvolvimento de ações de combate à homotransfobia e de respeito à diversidade sexual, incluindo a sensibilização de servidores públicos municipais e a oferta de serviços de atendimento a vítimas de violência, preconceito ou discriminação, em parceria com organizações da sociedade civil e Poderes Públicos Estadual e Federal.

Jamais poderemos ter uma Salvador mais humana, justa e fraterna se não dermos voz e vez para mulheres, negros, lgbtqia+, idosos e à juventude. São esses que movem nossos bairros e são esses que serão a prioridade de nosso governo.

S: Apesar de existirem pouco mais de 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil – segundo dados da Organização Mundial da Saúde -, as políticas públicas de acessibilidade cultural andam a passos curtos. Temos artistas e público com deficiência. O senhor pretende incluir direitos às pessoas com deficiência, voltados ao contexto cultural, na sua gestão? Se sim, de que forma?
B: Sabe-se que há poucas experiências de ações e políticas culturais de acessibilidade no país, limitando o direito ao consumo cultural da pessoa com deficiência. As iniciativas que ocorrem se concentram no campo das instituições culturais mistas e privadas, caracterizando–se mais como atividades eventuais e, muitas vezes, com limitação de horário, acervo e linguagem.

Entre as diferentes metas, as legislações e os decretos, que já apontam o direito cultural da pessoa com deficiência, destacar no a meta 29 do Plano Nacional de Cultura que nos desafia a implementar 100% de bibliotecas públicas, museus, cinemas, teatros, arquivos públicos e centros culturais atendendo aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolvendo ações de promoção cultural por parte das pessoas com deficiência.

Nossa proposta é juntar forças, desenvolver parcerias colaborativas, buscar alternativas para a qualificação da implementação das ações, dos programas e das políticas culturais acessíveis.