Revista Sobrado
Foto: João Regis / Divulgação

Matheus Peleteiro: “Acho o Brasil um país muito previsível”

O escritor Matheus Peleteiro está lançando Soteropolitanos, um dos seus novos trabalhos de 2020. O escritor, de 25 anos de idade, que já vem com um gás trazendo inovação ao mercado literário de Salvador, com determinação e apresentando sem insegurança o seu trabalho, bateu um papo com a Sobrado.

Peleteiro tem uma bagagem com seis livros físicos publicados ao longo de sete anos. Começou com Mundo Cão (2015) e seguiu com Notas de um Megalomaníaco Minimalista (2016), Tudo que Arde em Minha Garganta Sem Voz (2016), Pro Inferno com Isso (2017), O Ditador Honesto (2018) e Nossos Corações Brincam de Telefone Sem Fio (2019). Ele também tem um conto publicado e disponível de forma gratuita – O último a sair, por favor, apague a luz e me deixe aqui. A curta narrativa foi escrita este ano, durante o período de isolamento social, provocado pela pandemia do novo coronavírus.

Na conversa com a Sobrado, Peleteiro traça um olhar sobre situações vividas no Brasil, como a descredibilização do ensino por parte do governo e a taxação dos livros, tema tão discutido nas últimas semanas e que já foi pauta aqui na Sobrado. Ele fala também dos seus dois mais recentes trabalhos e dá um panorama sobre seu público e carreira. Confira.

Sobrado: Você é um escritor tão jovem, mas já tem seis livros publicados, um conto e uma tradução disponíveis ao publico.  Como foi o início desse  processo de produção literária?
Mateus Peleteiro: Ah, por razões como as recomendações entediantes do colégio, eu rejeitei a literatura até os 16 anos de idade. De repente, por influência da série Californication, comecei a ler a literatura americana moderna. Então, mergulhei nas influências deles, nos russos, franceses, até voltar para a brasileira e conhecer o outro lado não tão falado. Envolvi-me com a literatura por estar tão entusiasmado com a descoberta, a ponto de querer escrever algo que pudesse trazer o tipo de narrativa que acabara de conhecer para o meu tempo e o meu país. Só depois descobri que já havia obras tão grandiosas por aqui.

S: Ainda falando no chamar a atenção, o fato de você manter uma linha de produção contínua fideliza o público. Como você enxerga esse público?
MP: O meu público sempre me surpreende. Diria que não tenho um nicho específico, até por prezar pela diversidade temática e narrativa nas minhas obras. Têm livros meus que servem de porta de entrada para jovens na literatura, e outros que fascinam escritores ou acadêmicos. Apesar do problema de visibilidade me ofuscar bastante, fico muito feliz com o público que constantemente acompanha o meu trabalho, não só nos lançamentos, mas também nas leituras e análises. Os feedbacks têm sido positivos e, apesar de ser um trabalho de formiguinha, acredito que tenho um público fiel. Um bonito incentivo para continuar.

S: Quais são as suas influências dentro da literatura?
MP:São várias. Mas colocaria como maiores: Albert Camus, Charles Bukowski, Rubem Fonseca, J. M. Barrie e Oscar Wilde.

S: Você dialoga com vários gêneros dentro da esfera da literatura, como os contos e poemas amorosos. Não cabe te encaixar em um formato específico. Você se avalia assim? Livre, sem rótulos?
MP: Passei o tempo inteiro desejando não caber numa classificação, rejeitar uma identidade. Até que convidei o crítico Jonatan Silva para escrever a apresentação do meu livro O ditador honesto e, quando escreveu sobre mim, disse que “ainda que negue a busca por uma identidade, seus livros são unidos pela vontade de não serem o mesmo e se completam naquilo que os separa (…) sempre em busca do coração selvagem”. Passei a aceitar a sua conceituação, mas continuo me avaliando um escritor livre, sim. Como Bukowski ou Clarice.

S: Sua escrita, por diversas vezes, traz um tom de ironia, deboche, digamos que um humor que exige interpretação. Esse movimento se dá por qual motivo?
MP: É algo natural. Escrevo me imaginando como leitor, pensando no que gostaria de ler. Estas são características que admiro na vida e na literatura.

S: Você escreveu um conto durante o período de isolamento social chamado O último a sair, por favor, apague a luz e me deixe aqui. Está disponível de forma gratuita para o público. Lá você faz uma crítica à situação política que se encontra o nosso país e dedica o conto aos professores. Por que essa dedicação?
MP: Em primeiro lugar, por sempre os ter admirado, reconhecendo a luta que é ser professor num país como Brasil. Em segundo, por haver essa perseguição do atual governo contra os professores e tudo o que se relaciona à verdadeira educação. Resistir em qualquer posição soa mais fácil do que resistir sendo professor na atualidade.

S: Agora em setembro você lança o seu novo projeto – Soteropolitanos. Uma reunião de vários textos de pessoas diferentes, escritos nesse momento de isolamento social. Reunir e organizar esse material fez o escritor passar a ser um agente cultural? Quais foram os desafios?
MP: Ainda não falei nada sobre, mas fica aqui em primeira mão (risos). Sim, organizei, inclusive, visando agitar o cenário mesmo. Apresentar vozes. Acho que o escritor é um agente cultural o tempo todo, mas neste gesto acabei atuando também como um produtor. Gosto disso. Gostaria de ter a renda de Neymar para investir em traduções, gravações de discos e publicação de grandes autores anônimos. O único desafio ficou a cargo de cobrar os prazos. Dá muita dor de cabeça (risos).

S: Fale um pouco mais sobre esse novo trabalho e como as pessoas podem adquirir.
MP: Soteropolitanos é uma antologia de autores baianos que se propõe a apresentar algumas das diferentes vozes que dominam a narrativa e insistem em produzir literatura mesmo no atual cenário. São autores estreantes e outros já mais renomados, que vivem ou viveram em Salvador. O objetivo é trazer uma espécie de catálogo do que anda acontecendo por nossa amada cidade. O livro poderá ser adquirido diretamente comigo, com os autores e em espaços como a livraria LDM e o Bardos Bardos. Ainda estamos fechando as demais parcerias.

S: Trabalhar com arte é um ato político, principalmente quando se está em um grupo de minorias representativas, como é o caso da literatura. Em meio a desvalorização e o descaso do atual governo federal com a produção cultural, o que você analisa sobre essa situação?
MP: Eu vejo a resistência através da arte não só como um ato político, mas como um delírio. Vejo a arte como mais importante do que qualquer indivíduo ou sistema político. Vejo a ironia e o deboche como armas. “Palavras são navalhas”, cantou Belchior. Podem não derrubar governos, mas nos permite cair com dignidade e nos orgulhar de não estar do lado de quem vai ficar de pé. A ignorância é um projeto desse governo, não por ele ser perverso, mas por ele cultuá-la como uma condecoração.

S: Um dos seus sucessos foi o livro O Ditador Honesto, uma sátira lançada em 2018, antes de vivermos o que estamos vivendo dentro da política do Brasil. Quem costumava ter essas profecias era Glauber Rocha, Belchior (risos). Abrindo o jogo agora, você tem uma bola de cristal? Brincadeiras à parte. Matheus, vivemos os passos que foram escritos no livro, se tudo continuar como está na vida real, vamos chegar ao fim do livro e você poderá fazer O Ditador Honesto – parte dois. Como você me descreve o processo de produção dessa sátira? Você usou de alguma intuição para produzi-la?
MP: (risos) Não. Não tenho uma bola de cristal. Não realizei profecia alguma e não acho que a intuição foi responsável pelo processo criativo. Na realidade, acho o Brasil um país muito previsível. Digo, una hipocrisia com ressentimento, ódio e valores provincianos reprimidos, observe direitinho, e saberá o que vai acontecer. Não acredito numa parte dois. Se tudo continuar assim, ensejará uma realidade tão enfadonha que soará absurda e entediante mesmo para a ficção. É como escrevo no O último a sair, por favor, apague a luz e me deixe aqui, “à primeira vista, o ufanista, que já se encantara com as quase fantasiosas fábulas totalitaristas de autores como Ignácio de Loyola, Phillip Dick, George Orwell e Aldous Huxley, sorriu ao se dar conta de que, aqueles escritores geniais, universalmente aclamados pelas suas previsões similares à realidade, agora pareciam ingênuos e bobos ao propor distopias onde figuravam governos tiranos tão meticulosamente manipuladores, enquanto o futuro desenhava um circo de palhaços muito mais ridículo e assustador”.

S: Faço questão de reiterar que você é um escritor jovem. Isso traz um respiro e alívio ao mercado baiano de literatura, pois é uma renovação de arte e, acima de tudo, com qualidade. Como você enxerga e avalia o mercado baiano de literatura?
MP: Enxergo como um cenário normal, considerando os outros estados do país. Sei que a Bahia é conhecida por ser berço de parte dos maiores artistas do país, sobretudo no que se refere à música, mas, apesar de Jorge Amado e João Ubaldo, não vejo que essa condição se perpetua. Não na literatura. Assim como em São Paulo, Pernambuco ou Rio de Janeiro, há muita gente escrevendo, mas é possível contar no dedo aqueles que não produzem mais do mesmo, que se dedicam verdadeiramente. Às vezes, suponho que é assim que funciona em todo o mundo.

S: Diante da possível taxação com o aumento de 12% de tributos sobre os livros, como você acredita que será a situação do mercado?
MP: Acredito que as traduções e publicações serão repensadas na ponta do lápis, com maior frequência, pois o governo passará a ganhar mais com a venda do livro do que o próprio autor. Os livros produzidos em menor quantidade – normalmente de novos autores – se tornaram ainda mais inacessíveis para que o público aposte no novo e novos nomes se consagrem. O livro se tornará um artigo de luxo, tido como não necessário, perpetuando a ignorância que defende o atual governo, que, como escrevo na minha última narrativa que citei, “lida com livros como se fossem ácaros capazes de lhe provocar um edema de glote”.