Revista Sobrado
Foto: Alessandra Nohvais / Divulgação

Sandra Simões: “A Lei Adir Blanc foi uma conquista árdua da classe”

Em nossa última entrevista do ano, a Sobrado conversou com a cantora e compositora baiana Sandra Simões, carinhosamente, também chamada de Sandrinha Simões. Ela falou sobre a situação dos artistas na pandemia, o papel da arte e da cultura para enfrentar esse momento difícil. Fez críticas aos governos – federal, estadual e municipal – pela falta de políticas públicas ao setor cultural. Comentou sobre planos para 2021 e deixou uma mensagem de esperanças aos leitores da revista.

Confira esse bate-papo entre Sandra Simões e o nosso jornalista Roberto Aguiar.  

Sobrado: A arte e os artistas sofreram bastante com a pandemia do novo coronavírus. Como você tem enfrentando essa situação?
Sandra Simões: O sofrimento é coletivo. Não tem como não sofrer quando as luzes se apagam, o público vai embora, os aplausos emudecem. O artista precisa dessa troca para ser feliz. Tem também o baque financeiro pra todo o setor. Os teatros, os técnicos e todas as pessoas envolvidas. É triste! Mas, o artista também tem outro lugar de alimento que é o lugar da criação. E é neste lugar que eu estou vivendo intensamente. Compondo, escrevendo, desenvolvendo projetos, como numa profunda imersão. Isso é bom. E financeiramente eu intensifiquei as minhas aulas online. O que tem sido uma grata surpresa. Muitos alunos e realização de trabalhos importantes. Estou gostando muito dessa possibilidade. Como não saio de casa para nada, tenho tempo de me organizar entre as aulas, a criação, lives e vídeos. Mas o público faz muita falta! Sempre fará.

S: A arte e cultura tem sido um dos remédios principais para ajudar a passar por momento da pandemia. Como você enxerga a força da arte?
SS: Ironicamente, um pouco antes da pandemia, nós vivíamos um momento de desqualificação das artes e da ciência, promovida pelas autoridades (aff). Aí, subitamente, um vírus obriga a todos ficar em casa e a arte e a ciência viram protagonistas, passam a ser a esperança e a sobrevivência. A arte comprova seu lugar civilizatório numa sociedade, como sempre foi. A música, o cinema, os livros, a dança, a poesia estão mantendo a nossa sanidade. E desse ponto de vista, podemos dizer que esse é um momento muito rico.

S: Você tem realizado projetos pelas redes sociais, um deles em parceira com Pedro de Rosa Morais. Fale um pouco desses projetos. Como surgiram? Como tem sido a produção?
SS: Sim, estamos fazendo A Nossa Live de Quinta. Começou por acaso. No início era só uma forma da gente se encontrar e rever amigos. Mas com o tempo foi virando um ponto de encontro vivo e potente. Os amigos se preparavam para as noites de quinta, perguntavam se ia rolar a live, quem seria o convidado, etc. Aí a gente resolveu encarar e calendarizar (risos). Começa às 20h no meu perfil no Instagram e continua, a partir das 21h, no perfil de Pedro. Durante a semana a gente combina os temas e sugere os convidados. É muito bacana!

S: Como a produção nas plataformas digitais vai acompanhar sua carreira no pós-pandemia? Será algo que seguirá com você? Comente um pouco sobre esta perspectiva.
SS: Acredito que esse formato chegou para ficar e é muito bom, principalmente, quando somado. Pós-pandemia, poderemos experimentar o resultado dessa junção. Imagino que todo teatro vai querer ter a sua plataforma de transmissão. Teremos o público presencial e o público virtual, ou seja, o mundo é o limite (risos)! E também tem as lives feitas a partir de casa ou de qualquer outro lugar. É sensacional a gente ter a possibilidade de manter uma regularidade de encontro com o nosso público sem que seja necessário uma grande produção. A música nua e crua e com a sofisticação das coisas simples. Acho que isso foi uma libertação e uma revolução! E vai além de shows e apresentações. Encontros, reuniões, cursos, etc. Ampliamos a nossa possibilidade de atuação.

S: Você é artista, uma cantora crítica, com posicionamento político forte. Como você avalia o papel dos governos – federal, estadual e municipal – frente à pandemia, em relação à política para o setor cultural?
SS: Contraditoriamente, vejo um grave descaso em relação às políticas públicas na questão cultural. Digo contraditoriamente, porque vai na contramão do momento. Enquanto a cultura passa a ser protagonista, nesse momento crítico e se solidifica como uma alternativa de sanidade e equilíbrio da sociedade, o poder público ignora essa potência. Do Governo Federal não podemos esperar absolutamente nada! A Lei Adir Blanc foi uma conquista árdua da classe, com apoio de alguns parlamentares. Estamos à deriva. Mas na esfera estadual e municipal se fez muito pouco ou quase nada! É inconcebível, em minha opinião, que o estado e o município não tenham proposto um plano de ação cultural, próprio, durante a pandemia. Não se trata apenas de ajuda financeira ao artista. Trata-se, principalmente, de reconhecer a cultura, como elemento de sobrevivência. É um caso de saúde pública! O artista faz a arte para o mundo. Quem consome cultura é a cidade. Acredito que os governantes, não tenham dimensão do poder da arte (inclusive do ponto de vista econômico) e continuam, de forma rudimentar, tratando a arte apenas como entretenimento e o artista como prejuízo. Lamentável!

S: Qual a sua avaliação da Lei Aldir Blanc? Você apresentou algum projeto para editais ligados à Lei? Se sim, fale um pouco deles pra gente.
SS: Como disse, a Lei Aldir Blanc foi uma conquista árdua da classe artística com apoio de alguns parlamentares. Necessária e bem vinda, ainda que morosamente. Mas esbarrou no excesso burocrático. Demora para elaborar os editais, editais com formatos tradicionais, sem observar o caráter emergencial da lei e poucos contemplados. Poderia ter sido melhor pensado. Mais uma vez lamento! Sim, coloquei projetos, mas não fui contemplada. Gostaria de ter condições de fazer o meu segundo CD que já tá mais que pronto (na minha cabeça – risos). Gostaria também de ter conseguido gravar o CD de Vila ABCD, espetáculo cênico musical que estreou em julho de 2019 e que vinha num processo intenso de temporadas, quando tivemos que interromper, por conta da pandemia. São projetos que agregam outros tantos profissionais.

S: O verão se aproxima e traz com ele aquele clima do carnaval, que sabemos que não irá acontecer na forma que conhecemos. Você, Cláudia Cunha e Manuela Rodrigues tem o projeto Três na Folia. Esse projeto será mantido neste verão/carnaval? Pensam algo para apresentação on-line?
SS: (risos) Olha que é uma boa ideia! Ainda não pensamos nisso. Estamos muito atarefadas, cada uma de nós três. Mas, é uma ideia a se pensar!

S: Você tem aproveitado a pandemia para pensar projetos para 2021? Quais suas perspectivas para o novo ano que se aproxima, sendo que tivemos um 2020 bem difícil com a pandemia?
SS: É tudo tão incerto ainda. Não sabemos quando voltaremos à normalidade. Meus projetos continuam os mesmos. Nunca parei. O disco já está quase pronto. Na verdade, já tenho material para mais de três discos (risos). Estou pensando em lançar um single de três em três meses, enquanto não vem o CD . Seria uma forma de dar vazão à produção. Tem Vila ABCD que quero transformar em CD, livro e audiovisual. E tem também meu livro de poesias. Em 2021 quero tirar esse sonho da gaveta.

S: Você é uma cantora e compositora fortemente atuante na cena cultural baiana. Como mulher, que precisa enfrentar o machismo nosso de cada dia, inclusive no mundo artístico, como você avalia sua carreira? Como você vê hoje o machismo no meio cultural e como esse tema tem sido enfrentado no meio artístico?
SS: Ah, o velho e careta machismo… Essa coisa ainda tão atual, apesar do século XXI. Pessoalmente já enfrentei muito preconceito por conta do machismo. Principalmente como compositora e musicista. Ser cantora eles deixam, mas compositora e dona das suas ideias musicais, aí já são outros quinhentos (risos). Mas nunca me intimidei. Tenho colhido lindos frutos com a minha composição. Recentemente tive uma canção gravada por uma grande voz feminina da atualidade: Fabiana Cozza. Um presente que ganhei bem no meio da pandemia. Outro presente foi o lançamento do CD OMARIMIM, da cantora Ana Paula Albuquerque que leva o nome de uma canção minha, gravada por ela neste disco. Uma puxando a outra! Vejo nisso um ato político também. Estamos nos dando conta que nos temos e que juntas podemos!

S: Estamos encerrando com você a última entrevista da revista Sobrada no ano de 2020. Que mensagem você deixa aos nossos leitores para 2021?
SS: Primeiro, quero agradecer o convite para falar um pouco sobre este momento tão intenso que estamos vivendo. O Sobrado está fazendo a diferença e trazendo um conteúdo muito especial. Sinto-me honrada! Parabéns a todos os envolvidos! A minha mensagem aos leitores é de fé e esperança. Vamos lembrar que todo fim de ciclo é tenso e crítico. Penso que estamos voltando à luz! Emergindo de águas turvas. Depende de nós que este planeta seja melhor. Vamos fazer a nossa parte. Por enquanto, ficar em casa, quem puder, cuidando dos nossos e, consequentemente, cuidando de todos. Paciência, resiliência, força e coragem! Vamos vencer essa parada! 2021 será o ano da reconstrução! Sigamos com fé e amor!