Revista Sobrado
Foto: Samuel Neto / Divulgação

Tereza Paim: “A capacidade produtiva da culinária baiana é muito grande e precisa ser aproveitada”

Referência na cozinha típica baiana, a chef Tereza Paim, 57, só percebeu que sua verdadeira vocação era a culinária aos 40 anos. A cozinheira se descreve como autodidata, mas para se profissionalizar participou de cursos no Brasil, na Escola de Laurent Suaudeau, e em Lisboa e Madri. Reconhecida e premiada em diversos países, a baiana de Tanquinho, que antes trabalhava na área da Engenharia, há quase 8 anos comanda o restaurante Casa de Tereza, no Rio Vermelho, em Salvador. Hoje, além do restaurante, ela também está à frente da fábrica que produz as farofas, as cocadas, o dendê e uma série de produtos baianos que estão à venda no próprio restaurante e em varejo.

Em conversa com a Sobrado, Tereza fala sobre o atual cenário da culinária regional, o período em que o restaurante Casa de Tereza esteve fechado por conta da pandemia, o mais recente prêmio e sua participação na série Street Food: América Latina, da Netflix.

Sobrado: Tereza, como você avalia o mercado da culinário regional na Bahia nestes últimos anos?
Tereza Paim: O mercado vem amadurecendo. Eu acho que é um movimento global de valorização dos produtos regionais, o que é mais próximo de você como uma forma de sustentabilidade, como forma de gerar valor na cadeia produtiva mais próxima. Acho que isso veio pra gastronomia com uma força muito grande. E todos os chefs, todo mundo, nos últimos quatro anos, passou a enxergar muito mais de perto os produtos locais, transformando, cada um na sua técnica, com a sua autoria, e mostrar isso de forma variada. Acho isso muito positivo. A Bahia é um celeiro gastronômico. Pensar que a gente têm cinco biomas, né? É como se a gente tivesse cinco estados, porque a maioria dos estados do Brasil tem um bioma. No Brasil têm seis biomas e nós temos cinco dentro da Bahia, então a gente tem uma diversidade incrível com uma facilidade que a gente tem uma malha terrestre, rodoviária, muito boa, muito favorável para que esses produtos circulem e isso é muito positivo. Eu, que sou uma pessoa que trabalha com a culinária típica, vejo com muitos bons olhos. Meu restaurante está aqui há sete anos, mas eu tive restaurante durante seis anos na Praia do Forte e meu cardápio é o mesmo desde sempre, há 14 anos. Eu sempre trabalhei nessa perspectiva do que é típico e do que é regional, que eu chamo de uma cozinha mais autoral com produtos regionais. A capacidade produtiva da culinária baiana é muito grande e precisa ser aproveitada, mostrada.

S: O Casa de Tereza ficou por cinco meses fechado nesse período de pandemia. É bastante tempo. Como isso afetou o restaurante?
TP: A gente se virou, se inventou, se reinventou, fez delivery… A gente tem os produtos que a gente vende, da nossa fábrica que já entrega no varejo. Fomos fazendo, né? A gente aproveitou pra reformar o restaurante todo, a parte a parte de manutenção, fizemos um monte de coisa. Mas assim, a gente, como todo mundo, teve uma queda de faturamento absurda.

S: Você mencionou esse trabalho de delivery. Vocês também trabalharam com o serviço de takeaway, certo? Como foi esse movimento?
TP: Também funcionou bem. E foi bem algo novo mesmo. Quando dava 12h, a gente fechava o delivery, porque o movimento era grande e a gente não acreditava muito que a comida pudesse ficar tão bem, mas no final a gente teve cliente aqui que pediu 22 vezes, teve gente que pediu 15 vezes, oito vezes. Muita gente que repetia pedido. A comida chegou na ponta satisfatória.

S: E vocês pretendem continuar com esse serviço de delivery?
TP: A gente tá seguindo com delivery, sim.

S: Há duas semanas o restaurante já está aberto novamente. Como foi esse retorno? Você viu como algo tímido ou houve uma grande adesão do público?
TP: O retorno começou bem tímido, mas a gente vê crescendo. Ele está evoluindo, bem na perspectiva do que a gente imaginava.

S: O que foi necessário mudar para essa reabertura?
TP: Essas reformas foram de telhados, móveis, paredes, mas não mudamos a cara do restaurante. A gente continua com o mesmo conceito, com tudo igual, apenas tá tudo mais novinho. Não fez uma plástica drástica, foi só um botox (risos). Diminuímos o número de mesas, mas elas estão guardadas, logo vamos voltar com todas elas. Estamos cumprindo todas as práticas do protocolo, como tirar a temperatura, aumentar o distanciamento de mesas, a parte toda de higienização, tudo controlado. Boa parte das coisas que estão no protocolo, a maior parte, o restaurante já faz normalmente. Já limpávamos tudo com álcool 70, o restaurante já higieniza tudo que passa na mesa, cardápio digital a gente já tinha, o plastificável a gente não tinha, um tapete sanitizante aqui, outro acolá. Nada absurdo, não.

S: E durante esse fechamento obrigatório, como ficou a relação com os funcionários? Houve demissões, afastamentos?
TP: Houve demissões, sim. Demitimos 14 pessoas e afastamos, suspendeu, reduziu, demos férias, teve de tudo aqui. Tivemos de tudo.

S: Quais ações vocês pensaram para esse momento de reabertura?
TP: A gente está com esse festival de camarão no ar, com quatro pratos de camarão. A gente abriu para o dia dos pais, mas foi tão bom que a gente resolveu deixar. Agora vamos ficar um mês com o festival do camarão.

S: E no mês que vem vocês realizam o habitual caruru no aniversário do restaurante. Como vai ser esse ano sem a possibilidade de festa?
TP: Esse ano vai ter que ser uma coisa mais contida, né? Geralmente todo mundo vem aqui, é ótimo. Para esse ano ainda nem planejamos, não tive tempo (risos). Mas vou planejar!

S: No mês passado vocês foram eleitos como empresa referência para o turismo internacional. Me conta um pouco sobre isso?
TP: A gente tem uma receptividade muito boa do turista. A casa tem um volume muito grande de turismo, tanto nacional, como internacional. E foi considerado pela Câmera do Comércio de Cartagena como um dos referenciais do turismo internacional no quesito restaurante. Eles estão desenvolvendo isso lá, ele tem um turismo bem sol e mar, e eles estão querendo desenvolver outras vertentes do turismo deles. A gente cooperou com o trabalho para com eles, pra poder fazer a modelagem deles.

S: Para finalizar, nos fala sobre sua participação na série Street Food: América Latina, que estreou recentemente na Netflix?
TP: O episódio sobre o Brasil foi feito aqui em Salvador e eu entrei como apresentadora para mostrar essa comida de rua. É muito bom poder falar de sua terra, falar da sua cultura, da comida vista como cultura. Comida no street food é mostrada muito como a tábua de salvação. São pessoas que deram a volta em algum momento da sua vida e fazer comida é plano de fundo para isso. Poder apresentar essas histórias, poder falar da cidade, poder falar do modo como a gente, o povo baiano, se relaciona com a comida, foi uma honra muito grande e fiquei muito feliz.