Revista Sobrado
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A autonomia, o acolhimento e as escolhas de Paula Leandro

Após a criação de um curso de consultoria de estilo voltada para o conhecimento subjetivo de imagem pessoal e comunicação através de roupas, a Relações Públicas e Consultora de Moda Paula Leandro, 36, notou uma maior adesão de seguidores que se interessaram pelos seus serviços, além de se identificarem com reflexões e tópicos, que traz à tona em vídeos praticamente diários. Atualmente, ela conta com 3.160 seguidores em seu Instagram e mais de 100 inscritos em seu curso, que está com inscrições abertas para a segunda edição.

O fato de ser uma mulher preta e filha caçula em uma família de pessoas brancas é sempre trazido à tona em suas falas e colocações. “Desde muito cedo havia uma preocupação com o meu comportamento e apresentação. Sei que era uma forma de me protegerem do racismo, especialmente porque transitei em espaços onde não havia mais pessoas pretas. Isso foi me deixando muito habilidosa em tratar da minha roupa e visual por ter vivido uma vida inteira sob essa dinâmica. Mas acabei pegando gosto pela coisa”, conta.

Tendo formação na área de comunicação, mas sempre tendo se voltado à área de moda, Paula revela que durante bastante tempo cultivou a vontade de trabalhar no Shopping Barra, feito que realizou enquanto estagiária ao mesmo tempo que continuava auxiliando sua mãe e irmã, que só aceitavam fazer compras com ela e suas amigas, que recorriam ao seu olhar treinado para decidir desde que cor usar até se o caimento daquela determinada peça estava bom ou não. “Foi algo que foi crescendo com o passar do tempo”.

De entusiasta a empresária
Após ser demitida do setor de marketing de uma rede de restaurantes da cidade, Paula recebeu o convite de uma amiga para fundar uma marca de roupas completamente produzida em Salvador, desde a modelagem e os tecidos até as cores e divulgação. “Foi a partir daí que tudo começou a ganhar uma dimensão de realidade, eu ficava falando para mim mesma ‘Agora sim você trabalha com moda, agora sim você é uma empresária da moda’.”

Durante seu tempo de existência a Mia dispôs de deliveries de peças para as clientes, as famosas malinhas, bastante popularizadas no contexto da pandemia do coronavírus, mas que já existiam na marca desde o seu ano de lançamento em 2015, inclusive participando de lojas colaborativas em shoppings. “Eu, como RP, queria saber de dados, da opinião das clientes, do por quê ela escolheu uma peça em razão da outra e dessa forma nos permitiu delinear com bastante precisão os caminhos dos nossos clientes, porém o público de shopping não era familiarizado com o slow fashion, que era a nossa proposta. Estavam sempre em busca de novas coleções e essa não era a nossa proposta, até que decidimos encerrar as operações da Mia em 2018 de maneira definitiva”.

Ainda no mesmo ano, decidida a não voltar para o ramo da comunicação, foi sua vez de ouvir o conselho de uma amiga, e isso a levou a se matricular no curso de Consultoria de Estilo da Escola Baiana de Arte e Moda. “Fiz o curso e fiquei encantada, especialmente pela parte de Análise de Coloração Pessoal. Alguns meses depois, fui para São Paulo com objetivo de me especializar em Análise de Coloração com Thaís Farage e Mônica Boaventura”. Ao voltar para Salvador decidiu trabalhar apenas com Análise de Coloração por considerar a Consultoria no geral um tanto quanto impositiva e por não se sentir confortável com essa ideia. “Foi isso que me levou a criar o Acolha-se”.

Acolhimento
A necessidade de uma alternativa financeira para se manter, já que a adesão de público para o serviço de Análise de Coloração Pessoal nem sempre era constante, e aliado ao incômodo pela abordagem de atendimento das Consultorias convencionais, Paula conta que durante bastante tempo ficou pensando em outras alternativas que não dependessem de análises minuciosas e comparações entre os corpos de clientes e formas geométricas. “Tudo mudou quando assisti a um documentário na Netflix que mostrou o antes e o depois do corpo de uma mulher após ela dar à luz a quatro filhos, percebi que o que aquela mulher precisava era de acolhimento, e assim me veio a ideia do nome. Precisamos nos acolher e nos entender antes de querer mudar qualquer outra coisa”.

O fomento de reflexões é algo recorrente em suas falas e ela admite que é algo herdado: “minha mãe é pedagoga e sempre trabalhou com crianças, sinto que daí veio uma semente, esse é o pilar do meu valor de sempre tentar incluir e levar conhecimento para as pessoas”. Alegando a necessidade de mostrar que a análise de coloração é para todos e de fomentar debates sobre a apresentação pessoal através das roupas, ela também traz à tona outro aspecto não muito discutido: a abordagem estratégica no uso de roupas a depender da situação. “Eu quero que outras pessoas pretas pensem sobre as roupas que usam porque isso já é algo que a sociedade nos cobra o tempo todo. Onde tentam tolher também há espaço para autoafirmação, um indivíduo pode sim corresponder a um determinado código de vestimenta, mas isso não os limita e não deveria ser motivo para fazê-los se distanciar de quem são”, defende.

“Eu ensino as pessoas a escolherem coisas sozinhas, a insegurança move a indústria, especialmente se tratando de mulheres e isso é algo muito perigoso. Viso dar autonomia para que todos façam boas escolhas para si e que essas escolhas façam sentido em suas vidas. Repito para os meus clientes que saber escolher uma cor ajuda a fazer escolhas mais assertivas, mas não define estilo de ninguém”, opina a consultora.

Em um ramo estigmatizado e tido como superficial, onde o trabalho dos profissionais é comumente descreditado, Paula reconhece que as dificuldades são muitas, mas a própria conduta de muita gente do ramo reforça todos os estereótipos negativos, dificultando os debates sérios. “Esse tipo de coisa implica posteriormente em muitas empresas nos abordarem buscando permuta ou achando que o envio de uma peça é o suficiente. Precisam entender que isso é um negócio, que esse é algo sério”, comenta.

Em um ano onde praticamente tudo foi virtualizado, seu serviço de Análise de Coloração pessoal online foi uma alternativa que rendeu desde novos clientes a críticas sobre a procedência do processo. “Percebi que é muito cômodo dizer que não seria possível fazer online porque assim não haveria mais tecidos nem cartelas para serem adquiridos já que a dinâmica digital excluía todos estes outros recursos. Essa é a lógica do mercado, muita gente ganha dinheiro com a análise presencial, imagine quantas consultoras deixariam de comprar materiais por adotarem a dinâmica online? O negócio quebraria, daí que vem a conveniência em negar que também funciona”.

Referências e perspectivas
Sempre em busca de expandir seu repertório, áreas como arquitetura e decoração, figurino, TV e cinema também fazem parte do escopo referencial de Paula. “O fato de eu ter estudado comunicação me ajuda demais nesse sentido, conceitos de Semiótica e Estética são complementares ao que a moda desenvolve e ajudam a entender o percurso de muitas coisas no ramo”, conta ela. “Também costumo buscar as referências das minhas referências, nomes como Fernanda Rezende, Cris Zanetti, Mônica Boaventura e Manu Carvalho são algumas delas”.

Já em relação às perspectivas para o seu serviço, ela admite que não se vê trabalhando com a Análise de Coloração por muito mais tempo. “Sinceramente, acho que existe um limite. Existe um sistema que, mesmo eu entendendo o que faço, sendo competente e me propondo a lançar coisas, está sempre trabalhando para que isso não aconteça. É uma constante nadar contra a correnteza e me auto motivar”.

“Felizmente, eu amo o que faço e algumas métricas pessoais têm me indicado a repercussão e ampliando o alcance do meu trabalho. Tenho sido convidada para participar de transmissões ao vivo, para dar entrevistas como essa e frequentemente recebo mensagens até mesmo de quem não é ligado no ramo da moda elogiando o meu trabalho e a forma como abordo determinados assuntos nas minhas redes. Isso não deixa de ser um retorno para mim, além do propósito de ajudar as pessoas a repensarem a si mesmas e se acolherem: é o que verdadeiramente me faz seguir em frente. No final das contas é mais uma conversa sobre autoconhecimento do que sobre moda”, afirma.