Revista Sobrado
Fotos: Arquivo Estação do Cordel

Ponto de Memória Estação do Cordel se reinventa na pandemia

Se antes o setor cultural no Brasil já enfrentava dificuldades, como a diminuição de investimento público direto em cultura, imagina em meio à pandemia do novo coronavírus. Não bastasse o cenário de dor, profissionais da cultura sofreram um impacto imensurável em suas rendas. Segundo a pesquisa Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil, publicada em dezembro do ano passado, o setor cultural do país viu sua renda diminuir significativamente. Cerca de 50% dos agentes culturais perdeu 100% da sua receita entre maio e julho de 2020.

Diante da falta de incentivo e da demora em criar uma política nacional de cultura em meio à pandemia, esse setor precisou se reinventar e continuar resistindo para manter a cultura viva. Há pouco mais de um ano da crise sanitária no mundo todo, os profissionais da cultura e espaços independentes têm feito verdadeiros malabarismo para sobreviver em um cenário ainda sombrio.

Em Natal (RN), o Ponto de Memória Estação do Cordel também foi prejudicado e precisou baixar suas portas com o isolamento social imposto pela pandemia. Localizado no coração da capital potiguar, o espaço cultural completou quatro anos de existência no dia 14 de março, data em que se comemora o Dia Nacional da Poesia. Nando Poeta, um dos co-fundadores da Estação do Cordel, observa como, no entanto, as iniciativas culturais não foram paralisadas, uma vez que espaços e agentes da cultura precisaram se reinventar para promover atividades virtuais.

“Há um ano baixamos as portas da Estação do Cordel devido à pandemia. Isso não significou a paralisação de nossas atividades, pelo contrário, reinventamos a nossa atuação. De março a novembro de 2020 realizamos lives intituladas ‘Cordel em Movimento’, todas as quartas-feiras. Fizemos também a divulgação de biografias dos poetas com atuação no Rio Grande do Norte, como também divulgamos os comentários sobre várias Antologias de Cordel. Organizamos as lives culturais ‘Embarque na Estação do Cordel’ e em novembro de 2020, realizamos o ‘5º Círculo Natalense do Cordel’”, disse Nando Poeta, que além de cordelista é produtor cultural e sociólogo.

Foi voltando do primeiro Círculo Natalense do Cordel, que um grupo de cordelistas potiguares, Tonha Mota, Moura Galvão, Carlos Alberto, Cláudia Borges, Penha França e Nando Poeta decidiram dar vida à Estação do Cordel, como espaço cultural democrático voltado para o fomento da poesia de cordel e da cultura popular. Hoje, a Estação do Cordel, que em 2020 se tornou Ponto de Memória, tem como presidenta, a cordelista Tonha Mota, mulher negra, que também utiliza a potência de seus versos para compor canções.

O espaço é independente e sempre se manteve financeiramente de pé com a colaboração de apoiadores e através de iniciativas culturais. Desde sua fundação, a Estação tem sido ponto de encontro de poetas, músicos e interessados em cultura popular. Pensando em ampliar o acesso à arte e à cultura ao povo, a Estação do Cordel transformou a Praça Padre João Maria em um palco a céu aberto.

“Quando abrimos a Estação do Cordel, encontramos a praça abandonada, suja e cheia de buracos. Além das iniciativas culturais para dar vida à praça, os colaboradores encamparam um movimento intitulado ‘Salve a Praça’, que contou com assinaturas de moradores da região e apoiadores da Estação do Cordel. Hoje, a praça está revitalizada graças à pressão popular e à nossa luta. Infelizmente, veio a pandemia e ainda não tivemos a oportunidade de realizar um grande evento de inauguração”, disse Nando Poeta.

Mesmo em um contexto difícil para a classe artística, profissionais da cultura não deixaram de lutar e através da mobilização nacional garantiram recursos públicos pela Lei nº 14.017, conhecida como Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. A intensa mobilização do setor cultural destinou R$3 bilhões do orçamento federal à cultura do país. Agora, a luta dos artistas é para que a Lei Aldir Blanc se estenda durante o ano de 2021.

Projetos
Após quase nove meses se reinventando para manter o aluguel do Ponto de Memória Estação do Cordel, o espaço cultural aprovou 14 projetos de membros colaboradores pela Lei Aldir Blanc, sendo quatro pela Secretaria Municipal de Cultura e 11 pela Fundação José Augusto. Com a aprovação dos projetos, a Estação iniciou 2021 com fôlego para oxigenar cultura às pessoas nestes tempos de asfixia.

“Hoje, nosso maior desafio é construir possibilidades de sobrevivência. Apesar do cenário complexo, a arte nunca saiu de cena, ela incorporou as novas tecnologias e segue se reinventando. Na verdade, podemos dizer que a cultura e a arte estão desenhando um novo paradigma de atuação para condições de existência adversa”, declarou Nando.

Hoje, nosso maior desafio é construir possibilidades de sobrevivência. Apesar do cenário complexo, a arte nunca saiu de cena

Nando Poeta, cordelista

São tempos difíceis, mas a travessia é uma oportunidade de reinvenção. A Estação do Cordel é um exemplo de que a cultura resiste e abre novos caminhos. Se antes o palco era a rua, hoje, as pessoas têm acesso à arte através de ferramentas virtuais em suas casas. Sem dúvida, não é a mesma sensação, mas é a forma que esses artistas criaram para levar cultura às pessoas, diante da ausência e de poucas políticas culturais por parte dos governos.

É preciso abraçar a arte como forma de resistência, como caminho de transformação, mas também como inspiração para a sociedade. Em tempos de pandemia, a arte salva vidas. Assim como os governos devem garantir a sobrevivência das pessoas por meio de políticas públicas de enfrentamento à pandemia, como auxílio emergencial digno e acesso a uma saúde de qualidade, o governo deve garantir a arte para quem produz e acolhe. Como já dizia a música Comida, do grupo de rock Titãs, “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Que a arte seja combustível para alimentar nossos sonhos e encher nossas vidas de esperança por um mundo melhor. Você pode conferir as iniciativas do Ponto de Memória Estação do Cordel através do Facebook, Instagram e Youtube. Nestas redes sociais, você vai encontrar um universo recheado de literatura, poesia, arte e cultura.


FERNANDA SOARES é jornalista, com especialização em Cinema. Amante da sétima arte, da poesia e das artes em geral, estudou durante dois anos a história dos cinemas de rua da cidade de Natal. Atualmente, trabalha como Assessora de Comunicação Sindical. A potiguar, nascida em Natal, também é mãe e ativista social.