Revista Sobrado
Foto: Lay Esther / Divulgação

Adriel, o futuro

“Um menino caminha e caminhando chega no muro. E ali logo em frente, a esperar pela gente, o futuro está”. A conhecida letra de Aquarela, canção de Toquinho e Vinícius de Moraes, cai como uma luva para a cena final d’O Pequeno Príncipe, na qual o protagonista despede-se da Terra e volta ao seu planeta, uma pequena estrela com três vulcões, uma única rosa e teimosos brotos de baobá. A letra, uma das mais queridas representações musicais do lirismo da infância pelos brasileiros, também harmoniza com a história de Adriel Bispo de Souza, jovem leitor de 12 anos de idade.

A obra de Saint-Exupéry, uma das mais conhecidas da literatura infantil em todo o mundo, é a favorita de Adriel. Foi ela que lhe apresentou o prazer pela leitura, quando o jovem tinha apenas nove anos. Para ele, a aventura tem uma mensagem forte: “que as pessoas não queiram crescer rápido demais, e sim curtir a infância o máximo possível”. Na linha tênue que separa a infância da adolescência, Adriel confessa que não sabe ainda de que lado se encontra. Mas tem sempre em mente a mensagem do livro que adora.

Foi ao se deparar com um muro que o jovem pôde, também, olhar para um novo futuro. Em abril, com as aulas presenciais paralisadas pela pandemia do novo coronavírus, Adriel resolveu criar um instagram para compartilhar a sua paixão: os livros. Com o @livrosdodrii, ele mostra sua estante e faz resenhas das obras que lê, que vão de A Culpa é das Estrelas (John Green), jornada romântica de dois adolescentes adaptada para o cinema, a Maus (Art Spiegelman), graphic novel que conta a história de um judeu sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz. Dri recomenda as duas.

Passado algum tempo, quando o garoto tinha pouco mais de 200 seguidores, mensagens racistas enviadas por um anônimo a Adriel chamaram sua atenção, e ele prontamente as expôs em seu perfil, sem divulgar o nome do agressor. Foi assim que o tiro do criminoso saiu pela culatra: rapidamente, o jovem começou a receber muitas mensagens de carinho e novos seguidores, que hoje, passados dois meses do episódio, já somam mais de 700 mil.

“O que ele me disse poderia ter me ofendido demais, e pode estar magoando outras pessoas. Sei que o racismo é estrutural, não se desconstrói tão fácil, mas eu desejo a ele que tenha mais consciência antes de falar”, diz o garoto, que, quando perguntado sobre o que diria atualmente ao agressor, responde com sabedoria: “Nada. As coisas que aconteceram comigo falam por si”.

Mudanças
Dentre essas coisas, uma brusca mudança de rotina. “Agora são muitos trabalhos – querendo ou não, são trabalhos -, que eu não estava acostumado porque não trabalhava antes. Vou poder ajudar minha mãe e meu padrasto, o que é bem legal”, comemora.

Foto: Lay Esther / Divulgação

Adriel, que antes se considerava mais reservado e um pouco tímido, está tendo que ser mais sociável para conversar com as pessoas que lhe conheceram na internet. “É um pouco assustador também, porque muitas pessoas querem fazer lives comigo, às vezes não faço uma live tão bem, às vezes faço muito bem… é uma bagunça!”, completa. Apesar dos desafios pessoais, ele conta que pretende levar à frente o trabalho como influencer digital. “Quero poder influenciar mais pessoas nessa caminhada pela leitura”, afirma.

Entre um compromisso e outro, Dri encontra tempo para ver séries, filmes e ler, mas conta que sua frequência nas páginas e telas diminuiu com a popularidade na internet. Atualmente, ele lê Por Lugares Incríveis (Jennifer Niven), ficção juvenil também adaptada para o cinema pela Netflix. Mas Dri, assim como boa parte dos amantes da literatura, opina que as adaptações costumam decepcionar o público.

Além da demanda profissional, ele tem acompanhado as atividades de sua escola em casa (cursa o sétimo ano numa escola estadual de Salvador), estudado inglês e ajudado nas tarefas domésticas – como bom pré-adolescente, não muito animado com algumas das funções.

“Um normal”
É assim que Adriel se descreve em sua página. “Não sei, me veio na cabeça e coloquei”, ele sorri docemente enquanto conversamos por videochamada. De origem econômica humilde, sua família sempre acreditou na educação como principal ferramenta de formação, e Adriel precisou aprender a ler em seis meses, aos cinco anos, para tentar uma bolsa numa escola particular da cidade. Conseguiu, mas, como ele próprio conta em sua página, precisou sair um ano depois por não ter condições financeiras de se manter na instituição. Em breve, ingressará novamente em outro colégio particular da cidade com bolsa integral.

Para Adriel, que tem recebido as atividades escolares pelo Google Drive, o ensino remoto não é a melhor opção por não contemplar necessidades diversas de aprendizagem. “Acho que o EAD é eficaz enquanto não podemos ter aulas presenciais, como nesse momento. Mas acho que ele não é muito viável, porque a presença do professor vale bastante. Atualmente, eu consigo aprender mais estudando com minha mãe ou meu padrasto, porque fica muito difícil sem um professor”, conta. Sua matéria favorita é Ciências e ele tem o desejo de ser biólogo no futuro.

Inspiração
Em sua pouca idade, Adriel demonstra serenidade e conexão com os ensinamentos de sua mãe. Para ele, “cultura, amor e livros” são itens essenciais para que “qualquer pessoa se reconstrua”. Sobre os insultos motivados por gênero, etnia, orientação sexual e outras características individuais (muitas delas fenotípicas, como o peso), comumente condensados no termo bullying quando acontecem no ambiente escolar, o garoto opina que é preciso uma ação por parte dos professores, em legitimarem as queixas das vítimas e tentarem resolver o problema em sala.

Foto: Lay Esther / Divulgação

No entanto, a luta por uma sociedade mais justa e gentil às diversidades começa em casa. “O que vem antes é a influência dos pais. Precisamos de pais que conscientizem os filhos. E os livros podem ajudar, com mais cultura negra e LGBT, por exemplo. A leitura muda tudo, estende seu pensamento”, defende.

Às vítimas dessas situações, Dri aconselha que continuem “de cabeça erguida, pois uma ofensa não derruba uma pessoa por completo”. Já os agressores, segundo ele, precisam de “mais amor, talvez assim vejam que isso não se faz com ninguém”, afirma o garoto, que conta já ter sofrido ataques gordofóbicos no ambiente escolar.

Quando questionado sobre como se vê no futuro, ele demonstra mais uma vez sua sensibilidade: “Da mesma forma que sou agora. Uma pessoa sonhadora, amorosa, que vai continuar lutando pelos sonhos mesmo nas adversidades da vida”. Além de grande admiração pela mãe, Adriel conta que passou a entender que tinha que ser ele mesmo a “própria inspiração”.

À Sobrado, ele também revela que está em processo de produção de um livro, que será lançado na Bienal de Salvador, atualmente marcada para acontecer entre os dias 4 e 13 de setembro, no Centro de Convenções. “Só não posso dar spoiler, senão minha mãe, minha assessora e minha editora me matam!”, brinca. Paciente, bem-humorado e com os olhos abertos ao mundo, Adriel é um retrato esperançoso de uma nova geração que cresce em meio à ebulição de novas formas de sociabilidade.