Revista Sobrado
Foto: Victor Di Marco / Divulgação

Pelo cinema brasileiro, Victor Di Marco

Criar vídeos para a internet foi a ideia que Victor Di Marco, de 24 anos, encontrou para ocupar a cabeça e aliviar a angústia destes tempos de pandemia. Ele não esperava, no entanto, que o conteúdo fosse viralizar tão rápido. Em menos de três meses, seu perfil já conta com mais de 40 mil seguidores e seu vídeo mais popular, intitulado “Expressões Capacitistas”, tem 292 mil visualizações.

O plano original era estar acompanhando a exibição do seu mais recente curta-metragem, O Que Pode Um Corpo? pelos festivais no Brasil. “Meu sonho era ter um filme meu em festival, e quando isso aconteceu, veio a pandemia”, lamenta. O curta acaba de ser exibido online, no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, o Kinoforum, no qual recebeu o Prêmio Especial do Troféu Borboleta de Ouro. Em breve, também estará disponível para o público dentro da programação do Festival de Cinema de Gramado, que ocorre entre os dias 18 e 26 de setembro.

Concluinte do curso de Cinema e residente de Porto Alegre, ele conta que demorou a se entender enquanto cineasta e ator, pois seu desejo na adolescência era cursar Artes Visuais — “por conta da minha deficiência, não pude entrar na Universidade”, recorda. Acabou rumando para as humanidades, cursando simultaneamente Ciências Sociais e Psicologia (e quase se formando nas duas).

Quando começou a experimentar a videoarte, Victor percebeu que poderia buscar outras linguagens para sua expressão artística, e assim chegou ao cinema, mas pretende um dia voltar e concluir as duas graduações. “Elas acabaram formando o artista que sou hoje. Tudo que faço tem muito do pensamento antropológico. A antropologia está sempre muito colada comigo. Acho que são faculdades que me formaram no sentido acadêmico e sensível”, observa.

Em O Que Pode Um Corpo?, escrito e dirigido em parceria com o namorado Márcio Picoli, o jovem cineasta mescla a liricidade da videoarte à narrativa documental. “É um documentário de busca: eu enquanto um artista com deficiência buscando respostas do porquê passei por coisas que passei”, conta.

Still do filme “O Que Pode Um Corpo?” (dir: Márcio Picoli e Victor Di Marco)

No filme, Victor é fonte primária, por meio dos depoimentos, e também simbolizador, por meio da performance, de sua própria narrativa. “Quis colocar meu local como protagonista, porque geralmente nós, pessoas com deficiência, somos espectadores da nossa própria história. Também veio meu estudo como ator, me preparei nas cenas de performance para não ser o Victor contando sua história, mas o Victor ator, interpretando sua história”, afirma. O curta é uma produção independente, realizado por meio de financiamento coletivo e foi gravado em novembro do ano passado.

Representação
Foram duas as produções que despertaram em Victor o desejo pelo ofício de cineasta. Bicho de Sete Cabeças, da diretora Laís Bodanzky, e Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro.

Sobre o segundo, que conta a história de amadurecimento e descoberta da sexualidade do adolescente Leonardo, um menino com deficiência, Victor diz que foi um divisor de águas por ter se identificado com um personagem na tela pela primeira vez. “Mesmo que hoje eu veja alguns problemas no filme, mesmo que o ator não tenha sido um ator com deficiência”, observa. Mesmo assim, o jovem define que a representatividade também é um “poder de uma possibilidade”, o que significa que o retrato da personagem em si já tem sua importância para o processo de identificação. “Quando vi ele, pensei: ok, acho que esse também é meu lugar”, lembra.

Sua preferência é, inegavelmente, o cinema brasileiro. Buscando conhecer outros artistas com deficiências na área, Victor dedicou-se a uma pesquisa autônoma em que analisou as produções dos longas produzidos no Brasil de 2014 a 2018, após constatar a falta de dados relativos à participação de pessoas com deficiências nos relatórios de diversidade do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, da Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Dos 871 longas realizados no período, apenas 2 foram dirigidos por pessoas com deficiências. “Mas acredito que isso está mudando. Porque existem artistas com deficiências que estão adotando a postura de dizer ‘este espaço também é meu’. Para mim, o dado mais importante dessa pesquisa é a falta de indicadores quanto a nossa participação nos relatórios da diversidade. Porque só o fato de a gente não estar lá mostra que não tem quorum, então os dados se comprovam”, analisa.

Essa semana, a Academia norte-americana, responsável pelo Oscar, anunciou novas condições para que produções sejam indicadas à premiação na categoria de Melhor Filme a partir de 2024. São quatro diretrizes que tem por objetivo aumentar a diversidade na indústria, envolvendo a participação de grupos de minorias sociais em diversos setores da produção. Para ser elegível à indicação, o filme precisa atender pelo menos a duas das quatro.

“Para a minha surpresa, eles citaram as pessoas com deficiência. Acho que isso é muito otimista, porque quando tem uma decisão que vem de cima para baixo, as coisas tendem a mudar um pouco mais rápido. No momento que o Oscar faz disso uma obrigação, talvez os produtores comecem a olhar, não porque são bonzinhos e querem pautar isso, mas sim porque vai ser um gerador de lucro”, comenta Victor.

Mesmo assistindo a filmes do mundo inteiro, ele conta que sua paixão é o estilo brasileiro de conduzir as narrativas. “O que gosto de assistir, e claro, de fazer, é o nosso cinema. Observar nossos códigos, nossos símbolos”, afirma.

Direções
Sobre a repercussão de seus vídeos, Victor afirma que tem sido um desafio pessoal, uma vez que ele se considera uma pessoa fechada. “Antes eu não gravava nem um story agora tenho que fazer oito por dia. Ainda é um mundo muito diferente pra mim. Começar a me expor é um processo muito bizarro”, relata.

O termo influencer também não lhe veste muito bem. “Prefiro dizer só que posto vídeos na internet. Ontem, uma menina me disse que eu era um info-artivista, eu nunca tinha ouvido falar nesse termo, mas vou pesquisar”, diz.

Enquanto isso, ele continua trabalhando em sua arte, e atualmente procura meios de viabilizar a filmagem do seu primeiro longa-metragem, ficção que irá pautar o tema da pessoa com deficiência. “Vejo que o meio cultural já começou a pensar em como gravar no meio disso tudo. Tem gente que pergunta se o projeto é viável de ser feito em meio à pandemia”, conta.

Até que o cenário se amenize e que os amantes da sétima arte possam voltar aos encontros, cinemas e festivais, Victor indica que o público prestigie o cinema nacional utilizando as plataformas de streaming, mas principalmente acompanhando os festivais online, que estão programados para acontecer até o fim do ano. Para os que amam as séries da Netflix, uma boa pedida é Special, comédia de Ryan O’Connell.