Revista Sobrado
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Dos clubes às lives: um passeio pela história do Carnaval de Salvador

SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA!

Desde 2005, o Carnaval de Salvador figura nas páginas do Guinness Book como a maior festa de rua do gênero. Em seus primórdios, nas décadas finais do século XIX, expressava a diferença entre as classes sociais: carnaval de rua, feito pelo povo pobre, negro e trabalhador, contra carnaval em clubes privados, organizados pela elite local.

Em 1883, um grupo de comerciantes cria o Clube Cruz Vermelha, que no ano seguinte realiza um desfile com carros alegóricos pelas ruas do Centro de Salvador, que é considerado historicamente o primeiro carnaval baiano. Já em 1884, um setor industrial da burguesia soteropolitana funda o Clube Carnavalesco Fantoches de Euterpe, que desfila no carnaval de 1885 e torna-se o grande rival do Cruz Vermelha.

O pesquisador e jornalista Nelson Varón Cadena analisa esse período histórico da Folia de Momo em Salvador no livro História do Carnaval da Bahia – 130 Anos do Carnaval de Salvador: 1884-2014. Veja a participação de Nelson Cadena no programa Perfil & Opinião, da TVE Bahia, onde ele fala sobre o livro. 


O POVO NEGRO TAMBÉM PULA CARNAVAL!

O povo pobre, negro e trabalhador não quis apenas assistir os ricos a desfilarem em seus carros alegóricos, quiseram e se impuseram como parte da festa. Em 1895 , os negros nagôs organizaram o primeiro afoxé, denominado Embaixada Africana, que desfilou com roupas e objetos de adorno importados da África. Em 1896, surgiu, então, o segundo afoxé, o Pândegos da África. Os afoxés exibiam-se na Baixa dos Sapateiros, Taboão, Barroquinha e Pelourinho, enquanto os grandes clubes desfilavam em áreas mais nobres. Mas esse pacto não escrito da divisão espacial de classes e de ritmos no Carnaval foi sendo rompido com muito enfrentamento por parte dos afoxés, que começam a subir para as ruas centrais como a Avenida Sete, na Ladeira de São Bento. O que era considerado uma afronta pela elite e pelo governo. Em 1905, um decreto proibiu o desfile de afoxés.

Conheça um pouco mais sobre os afoxés com o documentário Desfile de Afoxés – Patrimônio Cultural da Bahia, produzido pelo Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPA-BA).


AQUI, AS ESCOLAS DE SAMBA TAMBÉM JÁ BRILHARAM NA AVENIDA

De 1963 a 1978, temos o período conhecido como “a era das escolas de samba em Salvador”. Elas chegaram a ser mais de 20 e juntavam uma multidão nas ruas da capital baiana para assistir os concursos da escolha da escola mais bonita, com desfile do Campo Grande à Praça da Sé. Juventude do Garcia, Filhos do Tororó, Ritmistas do Samba, Ritmos da Liberdade, Bafo da Onça e Diplomatas de Amaralina eram as mais famosas, como conta o sambista e compositor Geraldo Lima no livro O Carnaval de Salvador e suas Escolas de Samba, lançado em 2017. O autor traça perfis das escolas, apresenta fotografias da época, recortes de jornal, enredos famosos e entrevistas com pesquisadores e artistas.

Hoje, há os que lutam para manter viva essa tradição, é o caso da Escola Unidos de Itapuã, fundada em 2007. Veja a reportagem que foi exibida no programa Mosaico Baiano (TV Bahia), em fevereiro do ano passado.


“ATRÁS DO TRIO ELÉTRICO SÓ NÃO VAI QUEM JÁ MORREU”

A frase acima está na canção de Caetano Veloso, composta em 1968, para homenagear a grande invenção de Dodô & Osmar, que mudou para sempre o Carnaval de Salvador. O ano era 1950, quando a ‘Dupla Elétrica’ levou instrumentos, enfeitou com adereços carnavalescos, pendurarou alto-falantes e desfilou em cima de um carro pelas ruas do Centro de Salvador, durante o carnaval, arrastando muita gente, com o automóvel, que foi batizado de Fobica. No inicio, o trio elétrico só emitia sons instrumentais, a voz só veio ecoar anos mais tarde, com a modernização capitaneada por Orlando Tapajós, que deu o formato atual que conhecemos na atualidade. Hoje, o trio elétrico existe em diversos formatos e tamanhos, vão de 20m a 34m de comprimento. Esses palcos ambulantes, em cima do caminhão, têm uma potência sonora que chega a 350 mil watts.

Para saber mais, assista dois documentários que estão disponíveis de forma gratuita na internet, com depoimentos de personagens que são parte desta história: 60 anos de Trio Elétrico e Chame Gente – A História do Trio Elétrico:


A FORÇA DA AXÉ MUSIC

No inicio dos anos 1980, blocos puxados por trios elétricos começam a dominar no Carnaval de Salvador. A disputa entre eles fomentou uma produção musical que deságuo no movimento que conquistou o Brasil e foi chamado de Axé Music. A música baiana dominou as paradas de sucessos, ocupou todos os principais programas de TVs do país, levou as micaretas, também, chamadas de “carnaval fora de época” para as cinco regiões do país. Tudo isso levou a uma forte mercantilização do Carnaval de Salvador e uma exclusão dos blocos afros, que foram a fonte onde todos os grandes artistas beberam.

Com suas crises e contradições, a Axé Music segue sendo a música forte do Carnaval baiano.  O produtor e publicitário Chico Kertész narra a história – nascimento, apogeu e declínio – da Axé Music no documentário Axé: Canto do Povo de um Lugar, lançado em 2016, disponível na Netflix. Ao longo de quase duas horas de duração pontua quais os reflexos de uma trajetória marcada por revoluções artísticas, musicais, projeções nacionais e internacionais, nomes que estiveram presentes nos momentos de ascensão e queda, até um recorte temporal mais contemporâneo com suas projeções para o futuro.


2021 E O CARNAVAL DAS LIVES

Toda essa grande e histórica festa que narramos até aqui, este ano, será completamente diferente do formato que estamos acostumados. Não teremos diariamente dois milhões de pessoas brincando pelas ruas de Salvador. Mas quem, desde o século XIX vem construindo formas de brincar carnaval – nos clubes, nos afoxés, nas escolas de samba, nos blocos – e inventou o trio elétrico, com certeza, não deixaria de levar alegria para dentro das casas dos foliões, lugar mais seguro para brincar carnaval em tempos de pandemia.

Em 2021, teremos o Carnaval da Lives. Artistas e blocos farão a festa de quinta a domingo, com transmissões ao vivo pelas redes sociais e canais de TV a cabo. Quinta-feira, dia 11, às 21h30, acontecerá a live do Bloco Alerta Geral, comandada por Miudinho, com participação de Xande de Pilares.

“Esse carnaval de 2021 será bem diferente, mas queremos que os Alerteiros sintam um pouco da mesma emoção dentro de suas casas. A tradição de anos não poderia passar batido. Por isso, convidamos uma turma boa para levar alegria e muito samba para nossos foliões. A vacina já uma realidade e em breve estaremos todos juntos com a mesma emoção na Avenida. Agora é momento de ficar em casa, cuidar da saúde e do próximo”, diz Zé Arerê, presidente do bloco. A live do Alerta Geral será transmitida pelo YouTube.

Na sexta-feira, dia 12, será o dia do Olodum e da cantora Daniela Mercury invadirem as nossas casas. O primeiro a pedir passagem será o grupo percussivo mais famoso do planeta, que já gravou clipe com o rei do pop Michael Jackson (1958-2009). A live será um bate-papo que vai rememorar os grandes carnavais do grupo cultural criado no Pelourinho, em 1979. A apresentação será transmitida pelo canal TV Olodum no YouTube. Já a cantora Daniela Mercury vai realizar a live-show às 21h30, com transmissão no YouTube.

O sábado, dia 13, também vai ser pancada. As 17h30, Ivete Sangalo & Claudia Leitte se apresentam juntas, com transmissão pelo YouTube pelo canal Multishow. Logo em seguida, Léo Santana, Harmonia do Samba e Parangolé se unem na live Encontro no Carnaval, a partir das 21h, com transmissão simultânea nos canais dos artistas no YouTube.

Para finalizar a maratona, teremos no domingo, dia 14, a esperada live de Bell Marques, que acontecerá às 16h, o mesmo horário que o Bloco Camaleão, comandado pelo cantor, inicia seu desfile no domingo de carnaval de Salvador no Circuito Dodô (Barra/Ondina). Os sócios do bloco ganharam um abada especial para acompanhar a live, que será transmitida pelo YouTube.

“Estou muito animado com a live desse domingo, porque é muito simbólica. O Carnaval, ele ultrapassa fronteiras, ele tem uma energia especial que não tem como não existir”, afirma Bell Marques em depoimento à Sobrado. “Vai ser diferente, é triste saber que não nos encontraremos na rua, mas a música, ela tem um poder que ninguém apaga e, como artista e um dos representantes dessa festa fantástica, me sinto muito feliz de poder levar um pouco dessa alegria para a casa dos foliões de todo o Brasil”, finaliza Bell.